quinta-feira, 26 de julho de 2012

You got mail, from aussie land!

Hoje recebi uma coisa especial. Uma carta, da Austrália. E é especial porque hoje em dia receber cartas é algo raro e porque há vários anos que não recebia correspondência postal daquele lado do mundo. Esta carta é especial ainda por outra razão: porque me trouxe fotos do novo elemento da família, daquela família de coração que lá conheci e lá deixei, já lá vão mais de 7 anos. Chama-se Keya e é uma princesinha indiana nascida em território australiano no passado mês de Maio.


Esta carta trouxe-me também outras coisas: recordações, daquelas boas, a sensação de pertença que aquece o coração, e algumas saudades. Sem nostalgia, apenas a consciência que o tempo passa, a pessoa cresce e a vida evolui. Lembro-me perfeitamente do dia em conheci a mãe de Keya, a Noella. Era sábado, eu tinha pisado solo australiano pela primeira vez uma semana antes e naquele dia tinha decidido participar na visita ao Zoo de Nowra, a sul de Wollongong, organizado pelo comité de boas-vindas aos estudantes internacionais. Durante a viagem de autocarro, entreti-me a conversar com o rapaz colombiano que se sentou ao meu lado, com os discursos introdutórios da praxe: “de onde vens”, “o que vens estudar”, “o que fazias antes”. – Era professora, disse eu. E uma voz melodiosa apareceu vinda do lugar atrás de nós, dizendo “That’s awesome, I want to be a teacher!” Era a Noella, que silenciosamente participava na nossa conversa e não conseguiu conter o entusiasmo quando descobriu que eu era professora. Na altura não lhe falei no meu desencanto com o ensino que me levou a partir para aquele lado do mundo… é engraçado como a condição que inicialmente nos uniu – ser professor – deixou praticamente de existir, sem destruir a relação que construímos desde então.

Foi amizade à primeira vista! Sim, porque também há amizades assim, que nascem de uma gota de água e se transformam em oceanos. A partir desse dia a Noella estava lá para mim e eu estava lá para ela. Ela foi minha amiga, minha irmã, a minha família enquanto eu lá estive. Partilhámos as alegrias e as dificuldades, trabalhámos na ONG juntas, arrendámos uma casa para nós junto à praia. Eu lamentei as minhas más escolhas de amor, ela revelou as dúvidas dela. Quando eu não tinha dinheiro para as compras, ela trazia-me o jantar do restaurante indiano onde trabalhava. Refilámos juntas com uma máquina automática de chocolates que engoliu a minha última moeda de 2 dólares (para aquela semana só tinha 5 dólares para gastar) e não nos deu o twix pelo qual salivávamos. Ficámos ambas viciadas no cappuccino do café Picasso. Ela aprendeu comigo a gostar do mar e a usar um biquíni (na Índia as pessoas vão ao mar vestidas), eu aprendi com ela a usar o lápis dos olhos (maquilhagem era coisa que até então não me interessava). Mentimos juntas aos pais dela para ela poder ir à Europa com o então namorado italiano. Vimos o nascer-do-sol sobre o mar no dia em que me vim embora, de regresso a Portugal, com a promessa mútua de nos voltarmos a ver passados 2 anos, na Índia.

E assim foi. Dois anos depois, no final de 2006, peguei na minha mochila e parti à descoberta da Índia. Fui recebida de braços abertos pela sua família, tão semelhante à minha em muitas coisas. O ser humano é sempre ser humano, em qualquer lugar do planeta. Depois de alguns dias sentia-me em casa. Em 2009, reencontrámo-nos. De novo na Índia, para o seu casamento. Desta vez ela parecia mais crescida, mais ocupada, mais séria, mais... distante. Quando nos encontrámos no aeroporto senti que o cordão que nos unia tinha ficado de repente mais fino… ou melhor, os anos de distância foram desgastando o nosso fio de ligação, porque apesar de tudo e de todas as coisas electrónicas que existem, há coisas do dia-a-dia que não partilhamos quando temos meio mundo entre nós. Mas apesar desta sensação de mudança não desejada, foi bom estar com ela. Voltámos a partilhar segredos, angústias, sonhos. Tomei consciência que a amizade também se ajusta e não deixa de ser bonita por isso, porque os oceanos também são esporadicamente percorridos por ondas. E voltámos a separar-nos. Até ao dia em que eu me decidir regressar à Austrália para conhecer pessoalmente a Keya.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Providências da vida quotidiana

Sabem o que acontece quando duas moças distraídas e carregadas de sacos de compras entram no parque de estacionamento do Colombo pelo lado errado?
- Apanham boleia de um senhor num carrinho branco que parece ter vindo de um campo de golf, são transportadas confortavelmente sentadas até à porta do seu carro e saudadas com um gentil "Tenham um bom dia!"

Sabem o que acontece quando, apesar da procura constante de emprego mas influenciada pelas más notícias económicas impregnadas no ar, uma pessoa não espera receber por algum tempo respostas positivas para um emprego?
- Recebe dois convites para uma entrevista na mesma semana.

Há dias em que a vida toma as devidas providências para nos ajudar...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Professores, para que vos quero

A polémica em redor dos professores parece não ter fim. Às vezes o ritmo das críticas e das mudanças abranda, para depois voltar a acelerar em busca de um ensino de excelência que nunca é alcançado. E depois vêm mais mudanças, críticas, comentários, apreciações negativas. E a polémica cresce, mais uma vez.
No fundo, julgo que todos concordam com a necessidade de alterações estruturais e exigentes que aumentem a eficácia do ensino, dotando as crianças e jovens de capacidades e conhecimentos que lhes permitam encarar um futuro profissional e pessoal de sucesso. Esta é a missão de um sistema educativo, uma missão nobre e crucial para o desenvolvimento de qualquer país, a todos os níveis. A educação é a solução para muitos problemas.
O caminho para cumprir esta missão toma, no entanto, direcções diversas. Há quem defenda cortes e racionalização de recursos num grupo profissional supostamente com abundância de regalias e excesso de mão-de-obra. Das opiniões que ouço e leio, são muitos os que defendem esta opção. Suponho que a grande maioria destes não tenha no seu círculo social mais próximo um professor, porque os que têm pensam normalmente diferente. E pensam assim porque sabem da instabilidade profissional, das (cada vez maiores) exigências da profissão, incluindo ao nível psicológico e emocional, e do verdadeiro valor que é dado ao seu trabalho através de salários que, ao contrário do que se pensa, não são chorudos.

Mas vamos a factos. Começando pelo dinheiro, uma medida que toda a gente percebe, um professor contratado com horário completo tem um salário bruto entre 809.33 (índice 89) e 1373.13 Euros (índice 151), dependendo se tem uma licenciatura e se é profissionalizado (com estágio). Ser professor contratado significa que este profissional tem emprego apenas por um ano - ou menos - e que, todos os anos, tem que concorrer sem saber à partida se terá trabalho nos concelhos que preferiria, mais perto da sua residência (a principal motivação). Ou sequer se terá trabalho. Durante anos, pelo menos 10 anos nos dias de hoje (depende também das disciplinas que lecciona), um professor contratado não sabe o que é ter a certeza de um trabalho numa terra escolhida por si e a possibilidade de planear uns anos à frente. Para além disso, mesmo que fique colocado, pode não ser logo no início do ano lectivo ou pode ter horário incompleto, com as devidas repercussões no seu salário mensal. O horário de componente lectiva de um professor é de 22 horas, o que significa que o professor tem que estar na escola estas horas a cumprir as suas funções, enquanto que as restantes tarefas – que completam as horas semanais exigidas, ele pode fazer onde quiser. E são muitas estas tarefas, desde preparar as aulas, fazer e corrigir testes, organizar viagens de estudo, ter reuniões com os outros professores, participar em acções de formação exigidas para prosseguimento na carreira. Imaginem quantas horas passa um professor a corrigir testes de 6 turmas de 25 alunos = 150 testes (que não são de escolha múltipla).
Para os professores não contratados, ou seja, que já tenham algum tipo de vínculo à função, podem ganhar salários brutos entre 1500 e 3076.29 Euros, entre o índice 167 (escalão 1) e o índice 370 (escalão 10). A subida de escalão, quando não está congelada, exige vários anos de serviço e boas avaliações, e nalguns casos a disponibilidade de vagas. Por exemplo, para um professor passar do 1º ao 4º escalão, de um salário bruto de 1500 para 1916.02 Euros, tem que trabalhar 16 anos. Sem contar com os anos que esteve a contrato, porque ao contrário de qualquer outra profissão de carácter dependente, não há limite máximo para o número de anos a contrato nem obrigatoriedade de efectivar depois de 3 contratos.

Olhando para os números e tendo em conta a média de salários em Portugal, nem parece assim tão mal. E não seria, não fossem todas as outras tropelias às condições de trabalho. Falo, por exemplo, do facto do professor ser obrigado a aceitar o horário nos dois dias a seguir à publicação da sua colocação, mesmo que tenha que atravessar meio Oceano Atlântico. Falo do facto de, caso não aceite, não poder concorrer nos dois anos seguintes, independentemente de ser um horário mínimo (pode ser até 6 horas) e extremamente longe da sua residência. E por esta razão temos professores com horários de 10 horas semanais a deslocarem-se centenas de quilómetros da sua casa e, literalmente, a pagar para trabalhar. Sem receber subsídio de deslocação ou ajudas de custo para a (segunda) casa que terão que arrendar, como acontece noutras actividades da função pública onde a mobilidade é recompensada. Falo do desgaste psicológico próprio de uma profissão ligada à educação e à frustração de ter que deixar os seus próprios filhos com alguém enquanto se desloca para ensinar os filhos dos outros, sob pena de perder tempo de serviço que poderá não servir para nada quando decidirem mudar as regras do jogo já quando os jogadores estão em campo.

Tudo aquilo que aqui escrevi é realidade para muitos professores, para os educadores das nossas crianças e jovens. É óbvio que também nesta profissão, como em todas as outras, há bons e maus profissionais, há professores responsáveis e outros oportunistas. Todos nós tivemos o nosso professor besta e o professor bestial, os nossos filhos também terão as suas boas e más experiências. É certo que alguns conseguiram subir na carreira à custa de falhas do sistema ou tirando vantagem das características da profissão, e foram gozando a autonomia de horário para se acomodarem a um trabalho seguro ao qual dão pouco. Há professores a ganhar muito que fazem pouco, como há políticos, arquitectos, médicos, bancários, contabilistas, cabeleiros, electricistas, secretários. Mas não arranjemos justificação no mau exemplo de alguns para culpar todo um grupo profissional, apesar da tendência maledicente que nos vem nos genes. Apesar do descrédito associado à actual classe política, eu acredito que alguns são extremamente competentes e que dão muito ao país. Em relação aos professores, eu sei que há muitos que valem o seu peso em ouro e que, apesar de todas as contrariedades, continuam a cumprir escrupulosamente a sua missão.
  
É por eles, pelos professores que se esforçam e que querem trabalhar com dignidade, que escrevo este texto. Porque me sobe à garganta uma onda de revolta quando ouço alguém comentar que os professores são uma cambada de preguiçosos que merecem tudo aquilo que lhes estão agora a fazer. Quem diz isto não sabe o que é ser professor, hoje.

Fonte dos dados salariais:  http://www.spgl.pt/cache/bin/XPQ3jTwXX11903eV28FetSMaZKU.pdf

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Ritorno (regresso)

Como posso descrever o regresso a um local que me deu tanto? Como expressar o que senti quando revi pessoas que foram a minha família durante 3 anos depois de meses de separação? Talvez com a mesma naturalidade com que me orientei na vila como se lá tivesse crescido, ou com o à-vontade do abraço partilhado e a fluidez da conversa, contando o que nos tem feito vibrar nos últimos tempos. Foi assim a minha última semana, entre passeios à beira-lago a comer um gelatto delicioso e pizzas a ver jogos de futebol do Europeu. E foi bom, tão bom! Voltar a um sítio que se conhece bem, às cores e aos sabores que o caracterizam e, ao mesmo tempo, sentir que o tempo não parou ali. Um local, como as pessoas, segue em frente mesmo sem nós.