quarta-feira, 12 de março de 2014

Mãe, arranja-me um marido


Nascida há 28 anos atrás, K. é uma indiana que vive em Bombaim. Trabalhadora autónoma e eficaz, ergue-se no mundo do marketing de forma convincente, o que lhe permite a independência financeira. Criada no seio de uma família católica oriunda do sul da Índia, K. divide-se entre as obrigações laborais e as tarefas voluntárias na Igreja perto de casa, onde toca órgão e ensaia crianças. Aos 28 anos, K. é uma mulher jovem, madura, autónoma e… solteira. Após uma relação especialmente difícil com um homem hindu, K. chega um dia a casa e diz: “Mãe, arranja-me um marido, porque eu sozinha não consigo”.

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Recordei-me desta história de K. ao deparar-me com uma notícia recente no site da BBC (http://www.bbc.com/news/magazine-26341350). Num relato honesto e pessoal, uma indiana de 28 anos fala da pressão social que sente por ser solteira e das perguntas imediatas e inconvenientes que aparecem quando não lhe vêem uma aliança no dedo (“Não conseguiste arranjar ninguém até agora?”), ou das dificuldades acrescidas com o arrendamento de uma casa sem uma figura masculina ao lado. É o estigma social do solteiro, que se dispersa pelo mundo inteiro (embora a níveis diferentes). Perante as dúvidas e as dificuldades destas mulheres, interrogo-me se uma pessoa solteira tem menos valor por isso ou se o contributo que dá ao mundo é menor por estar sozinha. Pergunto-me se o amor tem data de validade. E penso naquelas relações que, seguindo as regras implícitas da sociedade, acabam por destruir o respeito e a dignidade das pessoas que delas fazem parte.

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Ninguém gosta de ficar sozinho. Somos seres sociais, colectivos, esculpidos para ter companhia. Para alguns, os encontros com o outro são mais fáceis e fluem naturalmente; para outros, as colisões são constantes. Quem, nalgum ponto da sua vida, já teve que apanhar os pedaços partidos do seu coração, sabe do que falo. Todas são experiências válidas, importantes para moldar o nosso percurso de vida, mesmo que nos deixem a alma em ruínas. Na verdade, os solteiros, como os casados, têm trabalho, casa para manter, contas para pagar, família para cuidar. Com uma grande diferença: têm que fazer tudo isto sozinhos. E por isso pergunto-me se, em vez de questionarem a rapariga indiana sobre a sua capacidade de arranjar um marido, não seria mais justo oferecer-lhe ajuda e elogiá-la pela sua coragem de enfrentar as peripécias do dia sozinha.  

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A última vez que vi a K. ela já estava casada. O seu pedido foi atendido pelos pais, que lhe arranjaram um homem compatível, segundo as estrelas, e de boas famílias. Conheceram-se, 6 meses depois estavam noivos, e 6 meses depois casaram. Bastou um ano para a vida de K. dar a volta que ela – e a sua comunidade - desejavam. Durante esse tempo, a sua irmã mais nova preparava o seu casamento com o namorado de longa data, o qual foi obrigada a adiar para não casar antes da irmã mais velha. Os padrões sociais não o permitem.  Uns dias depois do casamento da irmã mais nova, a mãe delas confessa-me aliviada: “Já posso morrer descansada. Casei as minhas duas filhas”, como se tivesse finalmente completado a sua missão de vida. E no final acrescenta: “Agora vou rezar por ti”.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Voluntariar-me

Mohammad Yunus (re)inspirou-me, com o seu lema de ser útil para alguém a cada dia. O acaso deu um empurrão, quando meti conversa com alguém que trabalhava na associação. Decidida a dar um pouco do meu tempo em prol de outros que mais precisem enquanto estiver nesta cidade, dirigi-me à associação para me inscrever como voluntária. 

Devo confessar que o meu entusiasmo se desvaneceu rapidamente. Fui recebida com um rude “Boa tarde, diga”, sem mais apresentações. A tentar iniciar conversa, pedi para me falarem um pouco sobre a associação e saí de lá a saber o mesmo. Fizeram questão de me dar os títulos das pessoas que devo contatar directamente (Dr.ª Xx, Prof.ª Yy), quando na verdade nem sequer me perguntaram o meu nome, o nome daquela pessoa que estava disposta a trocar o conforto do sofá pela ajuda ao próximo e às actividades da associação.

Foi uma desilusão. Agradeci e saí porta fora, pensando se valeria a pena trabalhar com quem nem sequer quer saber o nome da pessoa que se disponibiliza a dar o seu tempo para os ajudar.

Sou voluntária há muitos anos. Fui chefe escuteira, monitora de colónia de férias, professora de português para estrangeiros, formadora no Centro Português para Refugiados. Trabalhei com crianças, jovens e adultos, e também com animais. Sei perfeitamente que muitas iniciativas por este país fora não se poderiam realizar sem a ajuda desinteressada de voluntários. E também tenho consciência do valor de cada hora dada, tirada de tempos livres, de tempo com família e amigos, até do próprio trabalho. Há ajuda mais genuína do que esta? Por isso não entendo esta abordagem impessoal e áspera, como se eu fosse apenas mais uma folha de inscrição a colocar no dossiê, e não uma pessoa real com imensa vontade de contribuir, apesar do seu trabalho, da sua família e das suas responsabilidades.

Está visto; enquanto estiver nesta cidade, encabeçada por títulos e repleta de hierarquias, onde o valor de uma pessoa parece medir-se pelo tamanho do canudo, vou contribuir para o mundo de outra maneira qualquer.