A notícia não é nova; o governo está empenhado em revolucionar a educação em Portugal através da oferta ou venda a baixo preço de computadores para estudantes. O objectivo é um computador por cada 2 alunos no 3º ciclo e secundário. Hoje li uma notícia que falava em 500 mil portáteis para as escolas primárias. Estas notícias correm lado a lado com as outras que falam de 40 mil professores desempregados, de falta de condições nas escolas, de insegurança, do custo do material escolar... e de outras menos divulgadas sobre famílias disfuncionais, necessidades educativas especiais, pobreza envergonhada...
No início de cada ano lectivo, penso nas consequências nefastas desta troca de prioridades... e assusto-me. Estamos a começar a "casa pelo telhado"; antes de aprenderem a ler e escrever correctamente, as crianças recebem portáteis; antes de saberem como se comportar numa sala de aula, os adolescentes recebem portáteis; antes de terem as suas necessidades mais básicas satisfeitas, os estudantes recebem portáteis.
Não sou contra as novas tecnologias, estou neste momento a utilizar o meu portátil para escrever. Gosto da internet, ainda bem que existe, mas são meios para atingir um fim. Cada coisa a seu tempo. Não começamos a andar de bicicleta antes de aprender a andar.
Há 4 anos atrás, na escola onde dei aulas, numa terra profícua em famílias pobres, com empregos precários, muitas das crianças comiam apenas na escola; quem tinha subsídio a 100% tinha direito a 3 refeições (pequeno-almoço, almoço e lanche). Nos períodos de férias, algumas dessas crianças iam para a fila da cantina, que estava fechada, na esperança de terem comida... Quem, com imensas dificuldades económicas, mas devido a algum erro burocrático não tinha direito a subsídio, passava fome. Literalmente. Um iogurte por dia, apenas. Dias a fio.
Enquanto houver fome nas escolas portuguesas, os portáteis são dispensáveis. Enquanto não houver a noção de respeito pelos outros, os portáteis não ensinam nada. Enquanto não aceitarmos que a educação é a solução para muitos problemas, o investimento será dedicado à tecnologia... para comprar portáteis.