Alguns chamam-lhe “a cidade Troglodita”. Não pela antiguidade, mas pelas casas-gruta escavadas nas rochas. Matera localiza-se na região de Basilicata, que ocupa uma parte do tacão da bota italiana, e é Património Mundial pela Unesco desde o início da década de 80. Os italianos fugidos à invasão dos Turcos (não me lembro em que século), encontraram neste monte calcário a possibilidade de construir as suas casas aproveitando a flexibilidade da pedra e as fissuras do sistema rochoso. Com as suas mãos e as poucas ferramentas de que dispunham construíram abrigos de paredes grossas e tecto redondo, como as grutas. A casa-de-banho era um balde com tampa cujos detritos eram posteriormente despejados no fundo do vale em frente das casas. Por esta razão, a água do rio era inconsumível e era necessário construir uma cisterna em cada casa para recolher a água da (pouca) chuva que caía na região. Doenças como a tuberculose, febre tifóide e malária proliferavam, contribuindo para uma taxa de mortalidade infantil superior a 50%. Apesar disso, as famílias eram numerosas, com uma média de 8 filhos por casal coabitando num espaço com menos de 30 m2. Dentro de casa dormiam também os animais: a indispensável mula para o transporte, a cabra para o leite, o porco para a carne e as galinhas para os ovos (estas tinham direito ao espaço debaixo da cama).
O interior de uma das casas, como era há 50 anos atrás
A cidade de Matera é dividida em duas partes: O Sasso Barisano e o Sasso Caveoso. No Sasso Barisano habitavam os artesãos e no Sasso Caveoso habitavam os pastores e agricultores. Esta diferença de actividade reflectia-se nas condições de vida: os habitantes de Sasso Caveoso eram (ainda) mais pobres do que os habitantes do Sasso Barisano e as suas casas eram (ainda) mais gruta, daí o nome derivado de “Cavia” (gruta em latim). Esta realidade parece pertencer à Idade Média. Puro engano. Há 50 anos atrás era assim que os habitantes de Matera viviam. O sul de Itália era esquecido e estava 100 anos atrasado em relação ao norte progressista. Durante a 2ª Guerra Mundial, no tempo de Mussolini, o escritor judeu Carlo Levi (que vivia em Turim, no norte) foi enviado para o exílio nesta região. As condições miseráveis e a pobreza extrema destas pessoas impressionaram-no e ficaram registadas no livro “Cristo parou em Eboli”, uma metáfora para dizer que a civilização parara na região anterior a Basilicata (Campania). Após o fim da guerra, o livro foi publicado e chamou a atenção dos políticos italianos, que meteram mãos à obra para criar planos de recuperação. Na década de 50, o primeiro-ministro da altura criou um plano de evacuação obrigatória para os habitantes, obrigando-os a mudar para as recém-construídas casas em redor de Matera, hoje a parte principal desta cidade com cerca de 58 mil habitantes. A mudança não foi fácil; apesar das condições mais confortáveis a que tinham acesso na parte nova (casa-de-banho, saneamento, água corrente, electricidade, etc.), a vertente social dos habitantes alterou-se radicalmente: os (pequenos) pátios comuns onde as crianças brincavam, as mulheres lavavam as roupas e os homens trabalhavam deixaram de existir, agora era cada família por si.
A evacuação durou até 1968. Matera tornou-se uma cidade-fantasma, até alguns antigos habitantes demonstrarem interesse em regressar. O governo era o dono oficial das casas-gruta, em troca de 30 anos sem renda nas casas na parte nova, mas deu a possibilidade dos seus antigos donos recuperarem as casas com uma participação de 50% a fundo perdido.
Actualmente, Matera antiga é cheia de vida, com 4 mil habitantes (a maioria comerciantes e donos de hotéis), espectáculos de Verão, noites de fogo-de-artifício, uma viagem confortável ao tempo troglodita entre ruas de pedra estreitas sob a luz da lua cheia. Na praça central, que separa a parte antiga da parte nova da cidade, os homens mais velhos juntam-se ao fim da tarde para conversar e observar os turistas (e são muitos). O filme "A paixão de Cristo" foi filmado nesta cidade e passear nas ruas dos Sassos lembra, de facto, tempos antigos. Do outro lado do vale deu-se a crucificação, sob as orientações de Mel Gibson.
Um dos hotéis de Matera no sasso Barisano
Do outro lado do vale deu-se a crucificação cinematográfica de Cristo
Nesta rua, Jesus passou com a cruz (versão cinematográfica)
Conversando na praça...
O fogo-de-artifício sob a luz de Matera