“Conheces Saramago? Ele morreu.” disse-me o meu colega grego depois de ter lido as noticias gregas online. Fiquei um bocado atordoada com esta novidade e fui logo ler as notícias portuguesas, se os jornais gregos falam nele os portugueses também. Na página do Público era legível em letras gordas. Sim, José Saramago morrera. Uma tristeza intensa atingiu-me as entranhas. Sei que é um bocado estúpido, já devia estar à espera, ele no alto dos seus 87 anos, nos últimos tempos com diversas interrupções nos seus afazeres devido a doença e sem escrever no seu caderno online desde há vários meses. No dia anterior tinha ido espreitar o seu caderno, depois de algum tempo ausente, e reparei que agora, em vez dos textos originais que comentavam acontecimentos actuais, estavam pedaços dos seus livros escolhidos por outra pessoa, como se de alguma forma soubessem que a sua vida seria interrompida.
Se conheço Saramago? Conheço aquilo que interpreto dos seus livros, e li alguns. E conheci-o pessoalmente, quer dizer, partilhámos a mesma sala, numa homenagem ao então recentemente galardoado Nobel da Literatura no Teatro Gil Vicente em Coimbra, em 1999, quando o Coral de Letras do qual eu fazia parte foi convidado a cantar uma peça musical em honra do escritor. Cantámos uma canção que fazia jus ao seu constante arreliar de pensamentos e preconceitos, chamada “Acordai”. Lembro-me da sua pose serena e do seu sorriso subtil enquanto nós cantávamos nervosamente (mas bem, devo dizer). E lembro-me que foi nessa altura que decidi começar a ler Saramago. O “Ensaio sobre a Cegueira”, emprestado por uma amiga, foi o livro escolhido. A escolha certa, de leitura relativamente fácil (para os padrões de Saramago) e enredo envolvente. Forte. Controverso. Que me deu vontade de ler mais. E li, sempre que pude. Só ainda não consegui ler o Evangelho Segundo Jesus Cristo, da primeira vez que tentei, pela complexidade da língua e da história, não passei da décima página… não era a altura certa para o fazer, suponho.
Há várias coisas que me impressionam na escrita de Saramago. A sua capacidade extraordinária de se exprimir sem seguir as regras rígidas da gramática. Sim, mesmo sem os pontos e as vírgulas no sítio certo percebe-se perfeitamente o seguimento da história. E também me impressionam as pérolas de sabedoria que aparecem no meio do enredo, como se ao improviso um simples acontecimento quotidiano nos permitisse vislumbrar uma verdade universal. Aquela que mais gosto é do livro "A viagem do Elefante" e diz "Dando tempo ao tempo, todas as coisas do Universo acabam por se encaixar umas nas outras." Gosto.
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