4h15 da manhã. Espero pelo táxi à porta de casa, pouco protegida do frio da madrugada. O vizinho do primeiro andar aparece à entrada, fresco que nem uma alface, e pergunta-me se preciso de alguma coisa. “Estou à espera do táxi, vou para o aeroporto.” Se quiser pode vir comigo, estou a pegar agora ao trabalho”. Assim se explica o táxi estacionado na praça em frente à casa. Entretanto o meu táxi chega e recuso gentilmente a oferta do meu vizinho, “para a próxima já sei onde bater, obrigada!”
O aeroporto está vazio a esta hora, falta o frenesim e a energia vibrante de pessoas em movimento, vindas de todo o lado e partindo para tantas direcções. As lojas estão fechadas e decido matar o tempo de espera pegando no livro que trouxe de casa. Um livro francês, recomendado por uma amiga e com um título estranho que, apesar disso, me encantou: “Les yeux jaunes des crocodiles” (Os olhos amarelos dos crocodilos). Comprei-o em francês, na esperança que me servisse para recuperar o vocabulário perdido por uma década sem falar a língua, ainda quando andava no curso de francês em Ispra. Ou seja, o livro tem estado na prateleira há 6 meses e sobreviveu a uma viagem de camião pela Europa fora e à mudança para Lisboa. Agora que vou para França uma semana, faz todo o sentido levá-lo; ainda por cima tem uma capa toda colorida e animada, pode ser que me motive para treinar o francês e fazer boa figura nas boulangeries francesas. Só para esclarecer, o título fala de crocodilos mas a história desenrola-se maioritariamente em Paris onde, obviamente, os crocodilos não abundam… por isso também quero descobrir de que tipo de crocodilos fala (depois vos direi).
A viagem de avião decorre sem problemas, apesar do mau tempo e do frio que sinto na barriga quando o capitão fala nos 5º de temperatura em Paris, céu cinzento e chuva miudinha. Raios, estamos em plena Primavera com tempo de Inverno! Atravessar o aeroporto Charles de Gaulle demora uma eternidade e tenho que apanhar o comboio para o centro, onde um TGV me espera. Que belo comboio! Limpo, confortável e pontual. Cheio de gente, o que para mim foi uma surpresa, não é um transporte barato, mas aparentemente eficiente e economicamente viável. Chego a Nancy de mochila às costas e sigo o mapa para chegar a pé à AgroParisTech, uma escola tecnológica de agronomia com residência de estudantes onde nos vão instalar durante esta semana de curso. A cidade está vazia, ao domingo está quase tudo fechado e é semana de férias para os estudantes universitários. Na residência, outros estudantes de doutoramento que vieram para o mesmo curso esperam pacientemente pela chegada do comité organizativo. São da Áustria, da Estónia, da Suécia, da Finlândia, da Alemanha. O comité chega e levam-nos cada um para os seus aposentos, um quarto de 15 m2 com armário, secretária e um lavatório, de paredes verde-água e chão amarelado. A austeridade do quarto acaba por me impressionar e relembra-me o sacrifício a que os estudantes se submetem. Também eu vivi num quarto, partilhado, nas casas velhas de Coimbra. Na altura nem pus em questão a falta de espaço, de outras divisões onde me mover, de cozinha própria, de liberdade de movimentos. Estava fisicamente limitada e não me importava nada. Agora importo e entrego-me minimamente ao apego às coisas materiais que fui adquirindo ao longo dos últimos anos, coisas pequenas como a chávena comprada em Salamanca, a colecção de copos da Nutella, o poster dos Alpes italianos que colo na parede da sala…
Nancy pertence à região de Lorena, disputada pelos alemães durante séculos. A praça principal, Stanislau, debruada de portões pretos e dourados, é património mundial. Pelo centro da cidade, pequena mas simpática, despontam edifícios majestosos e igrejas de estilo gótico que lhe dão um ar imperial. É tudo perto, à distância de 15-20 minutos a pé e vagueamos à noitinha pelos bares da cidade, como se espera de um grupo de estudantes de toda a Europa ávidos de novidade e do sabor das cervejas belgas ou alemãs. Neste grupo percebi realmente o significado de globalização; para a maioria dos meus colegas, a nacionalidade não revelava o sítio de onde vinha, por isso encontrei um indiano da Suécia, uma brasileira da Alemanha, uma búlgara de Itália, um austríaco da Suécia, uma portuguesa da Inglaterra. Adoro aquelas conversas de críticas ou elogios subtis aos países de onde vieram e àquele onde agora moram, o ser humano tem tendência para as comparações. Fala-se de comida, do tempo, do estado das estradas, da maneira de falar, do grau de simpatia, da capacidade de trabalho. Aprendo muito sobre as diferentes formas de ver o mundo, de o capturar e recriar através das lentes culturais com que todos somos dotados desde criança.
Sem comentários:
Enviar um comentário