No início do século XX, numa área rural de um país asiático, uma menina
de 2 anos é submetida a uma antiga tradição que, supostamente, lhe garante um
casamento. A primeira coisa que a família do noivo analisava era se a pretensa
noiva tinha os pés do tamanho adequado, ou seja, se seriam “lírios dourados com
8 centímetros”. Minúsculos, portanto. Para terem este tamanho mini, os ossos
dos pés das meninas eram partidos e os pés eram continuamente enfaixados com
longas tiras de tecido, para evitar que os ossos voltassem ao lugar.
Há uns bons anos atrás, uma amiga partilhou comigo esta pequena história de um livro que acabara de ler. Seguindo o seu conselho já antigo, e também por curiosidade por esta cultura milenária, lancei-me com entusiasmo às mais de 500 páginas deste livro, tão poeticamente chamado de “Cisnes Selvagens”. Estes “cisnes” são três mulheres: a autora do livro (Jung Chang), a sua mãe e a sua avó. Contado na primeira pessoa, este livro não é um mero retrato familiar; é um retrato da China e da sua história recente, e uma descrição vívida de como a cultura e a política – e a megalomania de uma minoria - podem influenciar as mais pequenas opções de seres humanos comuns.
A menina de 2 anos que mencionei há pouco é a avó de Jung. Oferecida pelo pai para ser concubina de um general, a troco de uma posição laboral influente, vê-se obrigada a fugir com a sua filha para a poder manter consigo. A sua filha – a mãe de Jung – torna-se membro do Partido Comunista e dedica a sua vida ao Partido e a Mao (Tse-Tung) que, dependendo dos seus humores e segundas intenções, tanto a respeita como directora de um instituto como a persegue, aprisiona e tortura. Jung também sofre com as histerias de Mao e é enviada para as montanhas para aprender com os camponeses e ser reeducada através do trabalho árduo.
Ao longo desta leitura, vivi
diferentes emoções. Por vezes sorria com os episódios joviais que a autora
contava, outras vezes sentia-me a deprimir pelas barbaridades que lia. Sabendo que
era uma história real, estas emoções eram ainda mais fortes. Não é um livro
fácil, como também não o foi a vida dos “cisnes”. É uma leitura por vezes incómoda,
que nos deixa a matutar sobre a maldade profunda de alguns seres humanos e nos
efeitos perversos que as garras afiadas do poder têm sobre a vida das pessoas. Já
tinha ouvido falar de Mao e de algumas das políticas que ele implementou, mas
perceber como essas políticas – e as suas ideias estapafúrdias - se entranharam
no quotidiano do povo chines e na sua forma de ser, através da ignorância, da
repressão, do medo e da manipulação mental e social, é outro patamar.
Ao chegar ao final do livro, sinto-me com imensa vontade de conhecer mais a China e tudo o que a envolve. Estudei e trabalhei com alguns chineses quando vivi na Austrália, e percebo melhor agora a sua humildade – a roçar a subserviência – e a razão porque pediam desculpa constantemente, baixando ao mesmo tempo a cabeça, quando me parecia perfeitamente desnecessário. Nos países por onde viajo, ouço histórias de trabalhadores chineses que parecem não precisar de descansar pela quantidade de horas que fazem, dormindo aos magotes e por turnos ao lado de minas de ouro ou de carvão, sem se lamentarem. Também agora percebo melhor esta atitude, de pessoas que cresceram acreditando que o trabalho extenuante salva, que Mao era um deus e que o Partido Comunista era a única coisa por que valia a pena lutar. Chegada ao fim desta aventura, sinto-me um pouco como quando acabei de ler “Se isto é um Homem”, do Primo Levi (sobre um campo de concentração nazi onde o autor foi prisioneiro). A abominar os extremos (da esquerda e da direita políticas) e a interrogar-me como é possível a um pequeno grupo de pessoas conseguirem controlar milhões de vidas durante décadas. E a sentir-me agradecida porque, apesar das contrariedades, vivo numa época e num local onde a liberdade, e a busca da minha própria felicidade, são possíveis. Por tudo isto e por tudo o mais que a obra oferece, “Cisnes Selvagens” é um livro que não se pode perder.
Ao chegar ao final do livro, sinto-me com imensa vontade de conhecer mais a China e tudo o que a envolve. Estudei e trabalhei com alguns chineses quando vivi na Austrália, e percebo melhor agora a sua humildade – a roçar a subserviência – e a razão porque pediam desculpa constantemente, baixando ao mesmo tempo a cabeça, quando me parecia perfeitamente desnecessário. Nos países por onde viajo, ouço histórias de trabalhadores chineses que parecem não precisar de descansar pela quantidade de horas que fazem, dormindo aos magotes e por turnos ao lado de minas de ouro ou de carvão, sem se lamentarem. Também agora percebo melhor esta atitude, de pessoas que cresceram acreditando que o trabalho extenuante salva, que Mao era um deus e que o Partido Comunista era a única coisa por que valia a pena lutar. Chegada ao fim desta aventura, sinto-me um pouco como quando acabei de ler “Se isto é um Homem”, do Primo Levi (sobre um campo de concentração nazi onde o autor foi prisioneiro). A abominar os extremos (da esquerda e da direita políticas) e a interrogar-me como é possível a um pequeno grupo de pessoas conseguirem controlar milhões de vidas durante décadas. E a sentir-me agradecida porque, apesar das contrariedades, vivo numa época e num local onde a liberdade, e a busca da minha própria felicidade, são possíveis. Por tudo isto e por tudo o mais que a obra oferece, “Cisnes Selvagens” é um livro que não se pode perder.
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