Chegou como turista. Depois foi
ficando como expatriado. Apaixonou-se por aquela praia ganesa na costa do
Atlântico e lá se instalou. Montou uma escola de surf, onde recebia miúdos
pobres na sala de aula feita de areia e de maresia. Uma noite, resolveu pagar
um jantar aos seus alunos e levou-os a um restaurante. Sentados à mesa, com os
seus sorrisos rasgados, o empregado perguntou-lhes o que queriam comer.
Cabisbaixos, com ar de vergonha e dúvida, nenhum miúdo abriu a boca. O expatriado
insistiu: “Podem escolher o que quiserem”. No olhar deles havia agora espanto e
curiosidade. O mais corajoso pediu então um prato. Todos os outros – ao todo 12
– pediram a mesma coisa. Naquele momento o expatriado percebeu o que se
passava: eles nunca tinham ouvido a pergunta: “o que queres comer?” ou lhes
tinha sido pedido que dissessem uma coisa tão simples como “o prato que mais
gostas”.
Não é só comida e roupa que falta
a estas crianças; estes miúdos não têm escolha, alternativa, possibilidades.
Não se recusa nenhum tipo de comida quando esta é escassa e engolem tudo o que
lhes dão sem questionar. Dar opinião? O que é isso? Podemos ser nós a escolher
o que queremos? Podemos ser outra coisa que não o que nos calha ao acaso?
Podemos deixar de ser vendedores na estrada e fazer algo menos arriscado, menos
cansativo e que nos encha o coração? Sonho? Isso existe?
"Obroni!"
Esta história verídica contada
pela minha colega inglesa preenchia-me a mente e seguia-me juntamente com as
crianças da comunidade onde fizemos o trabalho de campo. Quando a “Obroni” (mulher
branca) passava, as crianças até então entretidas nos seus jogos ou afazeres
domésticos paravam a sua actividade, acenavam energicamente e ofereciam um
sorriso de orelha-a-orelha. Eu respondia com um “Hello” comovido. Elas continuavam
a sorrir e começavam a seguir-me, enquanto eu dizia “How are you?”. Percebi que
a máquina fotográfica que trazia a tiracolo era alvo de olhares e
perguntei-lhes se queriam uma foto. Imediatamente se puseram em pose e em
segundos dezenas de crianças se meteram à minha frente de sorriso aberto à
espera do clique mágico. Tirei dezenas de fotos a estas crianças, que reagiam
entusiasticamente quando lhes mostrava o resultado colorido e procuravam o seu
reflexo no ecrã minúsculo da minha Canon. Apetecia-me saber mais sobre estas
criaturas doces e perguntava-lhes o nome; muitas delas eram muito pequenas e as
outras mal falavam inglês, mas as que conseguiam perceber “What is your name’”
traduziam para as restantes e debitavam os nomes meio ingleses - meio nativos
com uma pronúncia fechada e suave. Quando lhes disse o meu nome repetiram em
coro “Sandrrrrrraaaaaa”, como se tivessem acabado de aprender uma palavra nova
para o seu vocabulário.
No dia seguinte, quando chegámos
à comunidade, algumas das crianças lembravam-se de nós e vieram ter connosco,
calcando o pó do chão cru e do harmattan
que assola a região nesta altura (correntes de vento originárias do deserto do
Sara transportando partículas de areia e de pó que tornam a atmosfera opaca e
diminuem a temperatura do ar). Em troca de abundantes sorrisos, distribuí o
chocolate que trazia por elas, numa azáfama divertida em frente a uma barraca
de madeira onde se entrançavam cabelos como arte. Aqui, nesta comunidade pobre
onde as condições de vida e os acessos são difíceis, moram criaturas cheias de
vida e de alegria, apesar das circunstâncias e da falta de escolhas.
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