quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Hoje não me apetece

nada estar sozinha. Tenho saudades de Portugal, dos meus irmãos e da minha irmã, da voz do meu pai, das conversas animadas da minha mãe, das gatinhas, do Rex. Tenho saudades de um almoço em família em casa da minha avó, do cheiro a cozido à portuguesa, das gargalhadas espontâneas à mesa quando o meu irmão diz uma piada. Do meu quarto atulhado de coisas e das prateleiras cheias de livros da biblioteca. Tenho saudades do movimento e da alegria de uma casa cheia de gente, onde a privacidade é difícil de encontrar mas nenhum de nós se importa. Queria ter a minha família por perto, assim bem pertinho. E poder aninhar-me no sofá a dormitar ao som das vozes tão diferentes que me rodeiam, sabendo que quando abrisse os olhos eles estariam logo ali, provavelmente a rir-se da minha figura e a pensar como me poderiam roubar o lugar no sofá.

Hoje não me apetece mesmo nada estar sozinha.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Aprender pela experiência

Hoje aprendi algo importante. Graças ao meu chefe que, por motivos de ausência sua, me deixou a desafiante tarefa de apresentar o nosso trabalho a um grupo de parlamentares gregos. Políticos portanto. Com muito poucas noções técnicas e científicas do trabalho que desenvolvemos e, mais importante que isso, normalmente sem o mínimo interesse em perceber. Ok, fazer uma apresentação em público não é problema; algum talento natural, o gosto por falar e os anos de experiência ajudam muito. Mesmo quando tenho que enfrentar os dinossauros do ramo científico em que acabei de entrar sei o que espero e o tipo de questões que me podem colocar. Preparamo-nos mentalmente para isso, faz parte do treino. Com políticos a história é outra. Não os estou a julgar, apenas a constatar o facto que eles não têm que saber a parte técnica do meu trabalho, por isso é o meu discurso que se deve adaptar, devo expor as evidencias científicas que encontramos numa linguagem acessível e útil para o seu trabalho. Também aqui não há problema. São antes as questões mesquinhas e interesseiras que me causam transtorno, aquelas a que devo responder firmemente mas sem os ofender para representar bem a minha instituição, mesmo sabendo que não têm o mínimo fundamento científico ou utilidade prática. E foi o que fiz, claro. Respondendo à ignorância e passando ao lado das provocações. Aprende-se melhor pela experiência a lidar com estas situações.
Enquanto escrevo este texto lembro-me dos investigadores do Centro de Geologia de Roma, agora no banco dos réus por suposta negligência no aviso atempado da população de Abbruzzo antes do terramoto de 2009. E os decisores da administração pública e da protecção civil, o que fizeram para o evitar? Cientificamente é ainda impossível prever com exactidão a ocorrência de um terramoto, embora haja sinais anteriores. É função do cientista avisar destes sinais, como parece ter sido feito, mas a decisão de deslocar a população baseada em suspeitas que só poderão ser confimadas depois do evento ocorrer não é dele. A possibilidade de ser falso alarme é grande e os votos demasiado preciosos para perder com decisões corajosas mas talvez desnecessárias e, certamente, muito incómodas.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Fim-de-semana bom

Sábado, dia de cidade grande. O movimento, a multidão. Entrar em todas as livrarias que vejo e apreciar as novidades e os clássicos, em várias línguas. Comprar aquele livro que procurava há que tempos. Passar por acaso em frente a um Teatro e assistir a um concerto inspirador de piano. Sentir o cheiro de castanhas assadas e dos doces sicilianos. Regressar a casa e desfolhar atentamente os livros novos, as fotografias, o texto em italiano. E partilhar todas estas coisas em português com os amigos que me convidaram para jantar.
Domingo, dia de montanha. Caminhada nos Alpes, para os lados de Macugnaga. O ar fresco que faz o nariz fungar. A vista sobre o Monte Rosa, a montanha mais alta dos Alpes italianos. O sol forte na pele. A chegada ao primeiro poiso junto ao glaciar e o almoço volante.  As cadeiras de ski paradas, esperando pela neve deste ano. O glaciar sem gelo que atravessámos, baptizado de cascalheira lunar. A neve brilhante nos cumes e as ervas amarelas no caminho. O engano no caminho e a persistência para continuar A água gelada do rio. Chegar a casa estafada, mas contente, porque subi uma montanha e avistei um horizonte largo e límpido, sem obstáculos humanos.

 


domingo, 9 de outubro de 2011

Sardenha

 

Gosto de ir a conferências, pela partilha de conhecimentos, pela sensação de pertença a um grupo científico e pela partilha de experiências com pessoas muito interessantes. As noites da conferência foram passadas em confraternização com estes colegas, a experimentar os sabores típicos da Sardenha encostadas à muralha do centro histórico de Alghero e com vista sobre a lua crescente a beijar o mar. Comi porcetto assado no forno, tamboril à moda da terra (monkfish em inglês e pescatrice em italiano), risotto de marisco e as famosas seadas (queijo frito com mel). Bebi Cannonau (vinho tinto), Mirto (licor de ervas) e um Passito sardo (uma espécie de moscatel). Aprendi a letra da famosa música "Bella Ciao", dos tempos da resistência Partisana contra os nazis e do "Cielito lindo" tão cantarolado na vizinha Espanha. Descobri que os homens sardos transportam uma faca no bolso para usar em qualquer ocasião, incluindo cortar o chouriço que nos sorri na mesa. Partilhei momentos de galhofa com a Ambra, a Carmen, a Ilaria, a Marji, o Clemens, o Gonzalo, a Itziar e o Franco, como se nos conhecêssemos há muito tempo. Não, não é o caso, mas a similaridade de experiências de vida aproxima-nos. 


Outra coisa boa das conferências internacionais é a viagem de campo, basicamente uma visita aos locais turísticos mais emblemáticos na região onde se realiza a conferência. Neste caso fomos visitar o Nurague Palmavera – ruínas de uma aldeia muito antiga do povo nuragi (descoberto apenas na Sardenha) composta de uma torre circular e praça de convívio feitas em pedra e madeira ao centro, rodeada de casas pequenas.  Visitámos também o Parco Naturale de Porto Conte e o Capo Caccia, reserva natural de maquis mediterrânico com falésias escarpadas que sobressaem magnificamente sobre o azul transparente do mar. 

Sem palavras :) :)

O Nuraghe

Ainda tivemos tempo para uma visita à quinta de produção de vinhos Stella & Mosca , cujos 650 hectares de vinha se estendem graciosas num horizonte plano e seco. 

 Vinhas a perder de vista

Os dois últimos dias da minha estadia na Sardenha passei-os a conduzir um Cinquecento por paisagens maravilhosas de colinas repletas de tufos de arbustos em escarpas rochosas sobre o mar Mediterrâneo. O tempo de sol e calor dos dias da conferência mudou entretanto para fresco e ventoso. Em Stintini, uma praia nos confins da região noroeste da ilha, o vento empurrava com tal força os grãos de areia fina e normalmente macia contra nós que nos arranhavam as pernas. O mar estava bravo, enrolava ondas que carregavam diferentes tons de azul dependendo da fase de crescimento ou rebentação. Do outro lado, a silhueta da Ilha Piana e da Ilha Asinina, onde habitam os burros (asino) de pelo branco e comprido endémicos da Sardenha.




A vila e a praia de Stintino

Um pouco mais a sul, passámos por Argentiera, terra abandonada e decadente dos tempos das minas de prata (argento), onde meia dúzia de velhotes se reúne no único café existente a meio da única estrada da aldeia e onde anúncios de venda de apartamentos apontam para casas destruídas com vidros partidos e o esqueleto de ferro à mostra.

Argentiera... deprimente

A minha última noite passei-a em Bosa; estava já a escurecer quando cheguei e o centro da cidade não me pareceu nada atractivo. Raios! Depois da estrada panorâmica e das manadas de vacas que tive que atravessar, não me apetecia nada passar a noite sozinha naquele sítio. Avancei mais uns quilómetros e avistei o mar na marina de Bosa, muito mais convidativo para uma passeata nocturna. Fiquei alojada num B&B com vista sobre o mar, uma parte do Rio Temo (o único rio navegável da Sardenha) e 5 lindos cães labrador ainda bebés que conheci na manhã seguinte. Boa escolha! E a luz do sol fez a cidade parecer muito mais bonita, com o castelo sobranceiro e os meandros do rio Temo.



 




De regresso a Alghero, descobri os recantos pitorescos desta cidade, tão catalã na língua e nos costumes. Reza a história que o povo de Alghero se revoltou contra o invasor - os catalães, mas que estes conseguiram expulsar os revoltosos e apenas os catalães podiam lá morar depois disso. Nesta cidade de nome provavelmente árabe, caminha-se na história em cima das muralhas que rodeiam o centro histórico, onde os bastiões se erguem altivos sobre o mar. A marina, enorme, acompanha-se ao longo da marginal onde palmeiras dançam ao vento.



Uma casa tipicamente árabe

A marina

 O bastião e as palmeiras

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Alghero

Noroeste da Sardenha. Lugar de mar, de plameiras, de oliveiras, de figueiras em forma de pata de elefante. Lugar com história, rodeado de muralhas de onde se vê a lua a beijar o mar. Cidade onde se fala o catalão e onde as ruas se chamam "carret" em vez de "via". Cidade turística onde os restaurantes sobranceiros ao mar nos oferecem um copo de vinho branco enquanto esperamos por uma mesa disponível, à moda de Hollywood. Lugar onde se come bacalà (bacalhau), fregola (massa miudinha com marisco) e seada (doce de queijo e mel).

Durante o jantar com companheiras de conferência, falámos das avós, daquelas mulheres cheias de força e coragem que sobreviveram a guerras, a fome, a falta de recursos, à revolução tecnológica e que são uma influência fundamental na nossa vida. Seja em Portugal, em Piemonte ou em Nápoles.