terça-feira, 4 de dezembro de 2012

No centro da Europa



 À saída do aeroporto sinto o ar frio a chegar à pele. A estação de metro está em obras, parece estreita, velha e suja e nenhuma escada rolante funciona. Nem parece que estamos no centro da Europa, mesmo em frente ao edifício principal da Comissão Europeia: Schuman.

Passei o fim-de-semana em Bruxelas, a cidade que acolhe provavelmente mais nacionalidades do que qualquer outra no mundo. Nas ruas ouve-se falar italiano, turco, polaco, espanhol e aqui existe também o bairro português onde se comem pastéis de nata. Esta multiculturalidade é um dos encantos de Bruxelas, para além dos acessos fáceis aos países limítrofes. Mas mesmo assim não me impressiona. Fria e cinzenta, Bruxelas parece receber-nos com um esgar de desdém, como se a mistura de gentes nos afastasse do sentimento de pertença que nos preenche quando chegamos a um lugar acolhedor. Não, não utilizaria este adjectivo para Bruxelas. Talvez dinâmico, frenético, transitório. Como se todos estivessem aqui de passagem.
Apesar desta minha pouca estima por Bruxelas, agudizada pelo frio gelado, pela neve e pela desorganização dos transportes públicos neste fim-de-semana específico, posso dizer que passei uns bons dias. Não tanto pelos monumentos que visitei, pelos “gauffres” com chocolate que provei ou pelas cervejas belgas que bebi. Isso também foi bom, mas o melhor foram as pessoas que me esperaram à saída daquela estação de metro escura de Schuman e me mostraram o caminho para casa. Numa cidade com uma atmosfera distante e desligada como esta, os amigos são a âncora que nos segura. Não interessa o tempo que não nos vemos nem de onde vimos; o grupo de “expatriados” (no bom sentido do termo) que se juntou em Bruxelas para jantar no Domingo, conheceu-se inicialmente em Itália e vira-se pela última vez em Lisboa. Como o mundo parece um lugar pequeno quando facilita os reencontros! E assim um fim-de-semana improvisado por uma entrevista aborrecida de trabalho transforma-se num reavivar de laços sociais, de tardes passadas à conversa, de comida caseira e de waffles com nutella partilhadas ao som de músicas de Natal, algures na Grand Place de Bruxelas.
Gauffres (waffles) a sorrir para os passantes
Luzes de Natal na rua em frente à Bolsa
A fantástica iluminação dos monumentos junto à Grand Place

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Diálogo intercultural

De passeio pela mata de São Domingos de Benfica, depois de alguns passantes nos cumprimentarem:
- Na Finlândia as pessoas desconhecidas em passeio não dizem "Bom dia" umas às outras.

No final de um almoço prolongado e tardio à beira da praia:
 - Na Finlândia a hora do almoço é muito mais curta e não se almoça assim às 4h da tarde.

Depois de 3 dias a dormir numa casa lisboeta sem aquecimento central:
- Agora percebo porque se queixam do frio em Portugal.

Numa passagem diurna pelo Bairro Alto, em frente a uma janela com roupa no estendal:
- Na Finlândia ninguém poria a sua roupa interior a secar na rua, à mostra de todos.


Nada melhor que uma estrangeira simpática e frontal para nos apontar os defeitos e as virtudes!
 

Kumasi, 6-8 de Novembro de 2012

  
 

Um friozinho na barriga

Alvorada. Estou deitada na cama do hotel em Kumasi e ouço o rumor mecânico da ventoinha no tecto misturar-se com o chilrear compassado e estridente de um pássaro na rua. Todos os dias ouço esta melodia desconhecida antes das 6h da manhã e não chego a conhecer o corpo da ave que lhe dá voz. Aqui não preciso do despertador do telemóvel, a luz e o som tropicais bastam. Melhor assim.
Às 7h da manhã estou no portão do hotel à espera da boleia combinada. De calças caqui, camisola fina de manga comprida, botas de montanha, garrafas de água gelada na mochila e uma camada de repelente contra insectos nas poucas partes expostas lembram-me que estou preparada. Naquele momento ainda não sabia bem para quê. Uma ansiedade excitante percorria-me o corpo, como quando pisamos um palco pela primeira vez. Não interessa quantas vezes ensaiámos, chegado o momento da exposição pública um calafrio de nervosismo empurra a adrenalina desde a cabeça até aos pés. A solução é respirar, profundamente, o oxigénio é o inimigo natural desta energia viciante.  
 
O 4x4 chega com os restantes elementos da equipa. Mustapha, o líder, um jovem muçulmano de ar assertivo e confiante que se auto-intitula de “bushman”; Seth, pequeno e ágil como um rapaz de 15 anos e uma memória fotográfica para espécies tropicais; Parkins, um simpático homem anafado e enérgico, de chapéu australiano e com uma amabilidade e dedicação imensas, tanto ao trabalho como à sua família. E eu, uma europeia branquela e novata nestas andanças mas com muita vontade e treinada para resistir. Tinha ensaiado mentalmente todas as situações possíveis, mas na verdade não fazia ideia do que esperar no mato. “The bush” em inglês. Imaginei uma mistura de selva com campos agrícolas, árvores de cacau perfiladas no meio da vegetação frondosa e espontânea. Mas até lá chegar, outros cenários desfilavam aos meus olhos.

Plantação de cacau vista de baixo

 Mercados de estrada
De ambos os lados da estrada amontoavam-se banquinhas de comida. “Kosis”, rolinhos de massa de feijão fritos, acabados de fazer fumegavam à nossa passagem. Às 8h da manhã estava um trânsito infernal e a estrada estava atulhada de carros, parados. Aproveitando os tempos de espera inevitáveis, mulheres de bacias na cabeça vendem banana-pão, sachets de água, pão de forma, “banana-chips”. O carro à nossa frente exibe autocolantes com frases religiosas, "God is love". O de trás também, o "tro-tro" (carrinhas de 10 lugares que servem de autocarro) na faixa ao lado igualmente. Deus também está no trânsito e no comércio de rua.
A vida em África parece desenvolver-se ao longo dos caminhos. É um dos encantos deste continente. As pessoas chegam e partem, outras passam e acabam por se estabelecer, unindo as suas vidas ao movimento incessante das vias de acesso, numa luta contínua pela sobrevivência. Mercados coloridos de fruta, vegetais, sapatos e vestidos alongam-se por quilómetros e enchem as estradas de vivacidade. É numa destas bancas que os meus colegas compram o pequeno-almoço, “porridge” (uma espécie de papas de aveia) vendida em sachets e “kosis” quentinhos.
 

Comércio de rua


No terraço de uma casa vazia, em frente a uma escola primária de janelas sem vidros e sem tinta nas paredes, rendo-me ao sabor denso e salgado dos “kosis” e ganho forças para a jornada que me espera. Será quente, húmida e cansativa, sem dúvida. Começa por uma picada curta até à margem de um rio. Canoas artesanais escavadas de troncos de árvores estão estacionadas à nossa espera. Dizem-me que os crocodilos se escondem a esta hora do dia e falam nos amestrados de Paga que eu devia ir ver (deve ser mesmo verdade!). De botins nos pés, salto para a canoa, sento-me no rebordo e observo a facilidade com que o rapaz da proa a manobra com 7 pessoas dentro e apenas com um ramo desfolhado de palmeira a servir de remo. Chegamos à outra margem em 10 minutos tranquilos. Já do outro lado, andamos 20 minutos a pé por um carreiro lamacento até chegar à primeira plantação.  


Canoas artesanais à beira do rio

“From bean to bar” – do grão à barra de chocolate

À primeira vista, as plantações de cacau assemelham-se a florestas uniformes. As árvores de 3 a 5 metros de altura alinham-se no terreno irregular e formam um canopy cerrado. Temos muita sombra. Frutos amarelos ou avermelhados, sinal de maturidade, pendem dos troncos cinzentos à espera de serem apanhados. Está próximo o dia em que o agricultor recolhe os frutos, parte a casca dura, tira os grãos sacudindo a massa branca que os envolve e os põe a secar durante uns dias, até os ensacar para vender no ponto de distribuição mais próximo. É um trabalho duro. E pouco rentável, sujeito às flutuações dos mercados externos e à imaginação dos especuladores. O elemento fundamental de um chocolate está nas mãos destes agricultores, em campos aninhados na orla da floresta tropical, entre campos de milho e banana-pão, rios com crocodilos e pântanos com serpentes. Aqui e ali avistam-se as copas de outras árvores, que os agricultores mantêm ou plantam para dar sombra ao cacau, para obter outros alimentos ou rendimentos ou para usos medicinais. São essas árvores que contamos, identificamos e medimos, como atributos visíveis da biodiversidade existente nestas plantações. A bem da ciência e, espero, para benefício dos agricultores.
 
Concentrada no trabalho
As cascas do cacau
A meio da tarde, quando a fome aperta, um agricultor de 60 anos trepa agilmente uma laranjeira de 6 metros de altura. Tendo água e sol, não há razão para uma árvore crescer pouco. Laranjas de casca esverdeada começam a cair no chão. Manuseando a catana, o outro agricultor remove a casca exterior e distribui. Aprendo uma nova maneira de comer laranjas: dá-se uma dentada na laranja para abrir um buraco na casca branca que ficou agarrada aos gomos, cospe-se a casca para o chão e espreme-se o sumo directamente para a boca. Depois de horas a percorrer plantações de cacau sob o calor tropical, esta laranja sabe a ouro. Só quando regressamos à cidade, depois do trabalho de campo do dia feito, é que comemos uma refeição decente, nunca antes das 16h. Nas plantações, comemos o que encontramos ou o que nos oferecem: laranjas acabadinhas de apanhar, a substância branca doce e macia que envolve os grãos de cacau, inhame cozido.
 
Cacau a amadurecer
Uma espécie de figueira, com propriedades medicinais
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Durante três dias foi assim. Levantar muito cedo, atravessar o trânsito caótico de Kumasi, esperar os agricultores no terraço da casa vazia, receber os olhares curiosos das crianças da escola (para algumas eu era a primeira “oboni” –branca- que viam), ir de picada até às plantações, calçar os botins, percorrer os carreiros lamacentos com a música do telemóvel ligada para afastar as potenciais cobras, percorrer várias vezes as plantações de cacau medindo árvores, comer laranjas descascadas à catanada,  abrigar-se da chuva morna, cumprimentar as mulheres que passavam com quilos de coisas na cabeça e miúdos colados às costas e receber abacates de um agricultor pobre como apreço pela minha resistência. A vida no mato é fascinante.

A vida no mato

terça-feira, 20 de novembro de 2012

4 de Novembro de 2012, no Gana

6h da manhã. Aqui nos trópicos o sol acorda cedo e a luz do dia já invadiu a cidade. O céu nublado traz-me o nervoso miudinho de uma possível viagem de avião turbulenta, entre Acra e Kumasi. O voo dura 45 minutos e afinal é pouco atribulado. Lá em baixo vê-se a orla da cidade capital, espraiada por longos quilómetros em povoações de casebres encavalitados e infindáveis carreiros de terra batida que as unem à floresta como raízes. Depois vem o verde denso e opaco da floresta, coberto por um manto espesso de nuvens formadas pela respiração das plantas tropicais. A seguir aparece lentamente a cidade dourada do Gana, Kumasi, a segunda maior do país. O avião aterra com surpreendente rapidez e saio para as cores garridas e o clima mais suave da capital do reino Ashanti, onde o rei ainda hoje governa.

 Kumasi, a cidade-jardim
“Kumasi lies amid greenery and flowers, on gentle hillsides. It is like a giant botanical garden in which people were allowed to settle. Everything here seems kindly disposed to man - the climate, the vegetation, other people.” Ryszard Kapuscinsky, “The shadow of the sun” (Ébano).

 A primeira vez que viajei para o Gana foi com ele. A sua paixão por África e o seu talento para a escrita transportaram-me para Kumasi ainda antes de eu lá pôr os pés. Kapuscinsky, jornalista polaco fascinado por África, descreveu de maneira precisa e ao mesmo tempo poética esta cidade – e toda a região da África Ocidental por onde andou nos tempos das revoluções independentistas. Em 1958 descreveu Kumasi como a cidade-jardim. Hoje, o título continua a ser merecido e nem o tráfico intenso a retira do seu pedestal.

Às 9h da manhã já o frenesim está instalado, juntamente com um calor abafado. À saída do aeroporto agrupam-se homens a oferecer os seus serviços de táxi. Eu tenho o Khamel à minha espera, cortesia da empresa pela qual visito o país. Jovem, da minha altura, cara redonda e pele luzidia, apresenta-se com um sorriso tímido. Diz-me que é do Norte, da zona da savana, apesar de ter nascido em Kumasi. Aqui as tuas origens são as da tua família, mesmo que tenhas nascido a centenas de quilómetros de distância. 
Tenho o dia livre e acabo por o convencer a levar-me aos locais mais pitorescos de Kumasi. Começamos pelo lago BosonTwi, a 10 km de distância, uma cratera formada pela queda de um meteorito ocupada pelas águas das chuvas e por crianças brincalhonas. No meio do lago visitamos os tanques improvisados de aquacultura delimitados por tábuas e bidões flutuantes, onde tilapia e peixes-gatos, com os seus bigodes longos como os da minha Mikas, se agrupam aos milhares. Regressamos à vila de Abono onde embarcámos e vemos o carro entregue às esfregadelas enérgicas de um miúdo, demasiado magro para tanto vigor. Khamel refila, não pediu para lhe lavarem o carro, mas cede ao olhar tristonho do miúdo e estende-lhe uma gorjeta. Seguimos caminho de jipe meio lavado e com espuma a escorrer pelas rodas. Regressamos à cidade conversando sobre animais selvagens, depois de termos passado por uma cobra estendida no meio da estrada. Aqui há pitão, cascavel, formiga vermelha, aranha venenosa… e até crocodilos amestrados, algures em Paga, que servem de assento a turistas mais afoitos… depois de lhes oferecem um franguinho para o almoço, claro!  
Vistas do lado BosonTwi, Kumasi
Em Kumasi, visitamos o Palácio Real (Manhyia), onde a família real expõe toda a sua riqueza dourada. O banquinho de ouro é a peça central, diz-se que esta peça de ouro maciço caiu do céu directamente para o colo do primeiro rei de Ashanti, e desde então marca o início da vida dos soberanos, como um trono em ponto pequeno. O rei actual, Otumfuo Osei Tutu, governa ao lado da sua mãe, foi ela quem lhe deu a herança. Aqui, neste reino e região, a sociedade é matriarcal e é a linhagem da mãe que dita a passagem do legado. É a mulher que transmite o sangue nas várias gerações, assim como o espólio da família. A constituição ganesa diz que, em caso de morte da mulher, se ela possuía herança de família, passa para os familiares da mulher, mas se era rendimento do casal, então é para o marido e filhos que fica.
A visita ao palácio fica marcada pela investida interessante do guia. A certo ponto pergunta-me “Sabe como conseguir manter um marido? Dando-lhe uma mulher nova a cada 40 dias”. A minha mente desconfiada fez logo as contas à quantidade de mulheres a que os polígamos de Ashanti têm direito. Mas o guia, na sua seriedade engraçada, esclareceu que era a esposa – única e irrepetível - que se devia renovar a cada 40 dias para manter o interesse do homem. Vendo bem as coisas, se tiver que cortar o cabelo ou mudar de estilo de roupa a cada 40 dias, não sei qual é a versão que prefiro.

A última paragem da visita é para um almoço tardio, como é costume por aqui. Peço Fufu, uma massa batida feita de banana-pão (plantain) e mandioca (cassava). Imito Khamel e aventuro-me com as mãos, retirando pedaços de fufu que enrolo com os dedos e molho no estufado de vaca que o acompanha. Dá-me uma certa satisfação deixar os talheres de lado, como se tocar directamente na comida me ligasse à terra onde ela foi produzida. Khamel sorri, aprova a minha tentativa de me integrar, malgrado a cor da minha pele. “Oboni” (branco) sou e aqui sempre serei, neste país tropical colorido e fértil.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Acra, 3 de Novembro de 2012

“Do  you  speak English?” O senhor sentado ao meu lado no avião meteu conversa; o boné preto enfiado na cabeça, jeans, pólo branco às riscas azuis e ténis a condizer contrastavam com a tez escura de Gabriel, um ganês sediado em Bilbau há 15 anos. Encontrámo-nos no avião em Lisboa com destino a Acra, a capital do Gana, país onde estou a implementar o trabalho de campo nas plantações de cacau. Gabriel conta-me que chegou a trabalhar um ano numa plantação de cacau, quando lhe digo o que vou fazer ao Gana. A simpatia ganiana persegue-o e conversámos grande parte do voo; actualmente desempregado depois da fábrica de lingotes de prata onde trabalhava ter fechado, Gabriel decidiu passar 2 semanas de férias na cidade costeira de onde partiu inicialmente para Modena, na Itália, há quase 2 décadas, onde viviam 2 dos seus irmãos. Depois foi visitar um amigo em Bilbau e, sem planear, foi ficando por Espanha, onde não quer ficar para sempre. “Tenho que pensar bem e preparar as coisas, regressar ao Gana sem trabalho é mau, não serve. Mas quero voltar.”

O voo vai atrasado mas corre sem peripécias. Da janela vejo as fatias coloridas do céu quando se aproxima o pôr-do-sol, emolduradas por tufos de nuvens. Nos trópicos as nuvens abundam, apesar de ser agora estação seca e não haver sinal de chuva. Chegamos a Acra às 10h da noite e estão uns maravilhosos 28 graus! Pedem-me o passaporte 3 vezes antes de chegar ao tapete rolante das bagagens, na última vez o rapaz sorri abertamente e diz-me que o nome Sandra é muito importante para ele. Será a namorada? Uma paixão arrebatadora? Uma mentirinha para se armar em engraçado? Não chego a descobrir, mas alegro-me pelo meu nome ser apreciado também aqui nos trópicos, seja qual for a razão.

O Hotel Esther onde fico alojada fica a 5 minutos do aeroporto, escondido numa rua residencial; tem um ar colonial, de piso térreo e plantas frondosas à porta. No quarto, em cima da secretária de madeira velha, vejo um bloco de notas onde os funcionários apontam as bebidas disponíveis no quarto. Reparo que afinal é um caderno de escola primária, de uma colecção intitulada "Football legends". Na capa surge aos meus olhos a figura jovem de um conhecido jogador português, no auge da sua brilhante carreira no campo. Conseguem adivinhar quem é? Não, não é o Cristiano Ronaldo, ele é muito conhecido e basta dizer que sou portuguesa para o seu nome vir à baila, juntamente com o brilho nos olhos escuros dos jovens africanos. Mas o verdadeiro embaixador de Portugal no mundo na última década é o Luís Figo, figura incontornável do futebol português que encanta crianças e jovens em África e na Ásia; já em 2003 o Figo era o meu conterrâneo mais aclamado na Indonésia quando revelava de onde vinha, enquanto que Xanana Gusmão, que sofreu anos na prisão por defender a independência de Timor-Leste da Indonésia e a aproximação às raízes portuguesas, mal era mencionado. Assim se vê que é o futebol que move o mundo, bem mais do que a política.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Tarde boa

esta. Começou com um almoço vegetariano delicioso num restaurante acolhedor ao lado da Gulbenkian. Num encontro de amigas adiado pelas turbulências das nossas vidas. Mas hoje sim, hoje conseguimos estar juntas. E foi tão bom! A conversa fluiu naturalmente, sem pressa e sem filtros. A amizade torna-nos transparentes. Falámos de problemas, pequenos e grandes, da ansiedade pelo futuro, de amarras familiares, de dúvidas de amor, de dificuldades profissionais. Partilhámos sonhos e vontades, o desejo de ser mais, a alegria - e o desafio - de ser mulher e jovem na cidade que nos juntou. 
O tempo, esse, passou de mansinho sem darmos conta. O sol já se punha quando nos separámos, a lembrar-nos que esta tarde acabara mas que haverá outras, muitas mais.

Obrigada, amigas, por esta tarde.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Fui aqui...


... e já voltei. Se quiserem saber um bocadinho mais sobre este país africano onde o cacau é rei, cliquem na página "Gana" aqui ao lado.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O caminho da recuperação

económica de Portugal parece ser cada vez mais tortuoso. Curiosa com o discurso anunciado do Primeiro-Ministro, sentei-me (des)confortável no meu sofá e esperei pelo momento, astutamente escolhido para uma sexta-feira à tardinha antes de um jogo de futebol. A escolha não foi ao acaso, nada é feito ao acaso em política; o fim-de-semana é de relax para muitas pessoas e o jogo de futebol dá para distrair um bocadinho das más notícias.
Eu não sou economista, mas não preciso de o ser para dar uma opinião sobre um assunto económico que também a mim me afecta. Fundamentada no bom-senso e na informação que recolho das mais diversas fontes. As opiniões dos comentadores dos canais de televisão falam em austeridade clara e na ineficácia da medida para criar emprego, porque o que impede as empresas de o fazerem é a falta de acesso ao crédito, que continua bloqueado.  Outra razão pode ser apontada: a diminuição do consumo e a consequente, embora desfasada, diminuição da produção. O consumo vai continuar a diminuir, com o aumento da contribuição da segurança social para toda a gente e a contínua diminuição do poder de compra.

O Primeiro-Ministro falou na aposta no aumento das exportações como condição essencial para a recuperação económica.  Nem todas as empresas se baseiam na exportação, tanto que a conjuntura económica também não está a ajudar nesse sentido. Este mesmo modelo económico tem sido seguido pelas chamadas economias emergentes como a China e a Índia; dizem os especialistas que esta aposta nas exportações é o caminho mais rápido para obter um crescimento económico significativo. É verdade que ambos estes países têm taxas de crescimento económico mais elevadas que qualquer país europeu, mas uma observação atenta às condições de vida da população no país revela uma verdade distinta: os bairros de lata espraiados ao longo das linhas de comboio, as crianças a pedir nas ruas que partilham com centros comerciais ostentosos, um fosso enorme entre as classes mais baixas – a maioria da população, e as mais altas. Obviamente que esta opção de crescimento traz alguns benefícios, como qualquer outra, mas a partilha dos resultados positivos não é, de forma alguma, equitativa. Basta visitarem um destes países para perceber, tão evidente que é.
As medidas deste governo têm sido escolhidas com um único objectivo: reduzir o défice e cumprir o memorando da troika. Não é a qualidade de vida dos portugueses que orienta a política do governo. Esta atitude de ver apenas o alvo e deixar de notar, ou simplesmente ignorar, as consequências negativas que está a causar, roça a obsessão. Não há espaço para ajustamento, para mudança de estratégia, para alteração de rumo. Os portugueses não têm direito a defesa, apenas a austeridade. Não se mexe na banca, não se toca nos preços dos combustíveis, não se fala nos privilégios dos gestores públicos. Impõe-se aumento de taxas contributivas, porque afinal não é a mesma coisa que um imposto (só em teoria!) e o governo assim está a cumprir o que disse, elogiado efusivamente pelo Presidente da República.
 
Lembra um navio que corre o risco de afundar se continuar àquela velocidade, mas que continua no mesmo ritmo para chegar ao outro lado do Atlântico em tempo recorde. A História conta que afundou.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Não gosto desta constante sensação de insatisfação

que me persegue em alturas de entrevistas de trabalho. Têm sido algumas ultimamente. O que é bom, é muito bom. Saber que o mercado está aberto para mim e que as minhas qualidades e experiência têm valor. Receber a confirmação de que somos "shortlisted" e seleccionados para a entrevista dá-me aquela sensação de dever cumprido e recambia a frustração para outro lado. Depois vem a entrevista, onde sou confrontada com um painel de 3 (ou mais) pessoas que me perguntam uma variedade de coisas: o que faço agora, como foi o meu percurso profissional, motivação para concorrer àquele trabalho, como prioritizo as tarefas, como faço a gestão do meu tempo, como lido com conflitos... e perguntas mais técnicas sobre recolha e análise de dados, software que conheço, escrita científica, networking.
 
Depois de todas estas perguntas, eles ficam a saber muito superficialmente o que sou capaz de fazer, não consigo explicar em meia-hora todas as minhas capacidades pessoais e profissionais (ninguém consegue). Mas pelo menos ficam a saber o meu nível de inglês e a minha capacidade de responder a perguntas relativamente difíceis. Nalguns casos, nem me ficam a conhecer, porque a entrevista foi feita por skype ou telefone. Das 3 entrevistas que fiz, só uma foi presencial e fui obrigada a ir a Inglaterra em plena época de Jogos Olímpicos. Se não fosse a Chiara e o Gianluca estarem por lá e ter passado uns dias com eles, não teria ido à entrevista porque o preço da viagem era exorbitante. Mas fui. Saí da sala com a nítida sensação que a entrevista não tinha corrido bem e que me tinha espalhado ao comprido nas perguntas mais técnicas. Enganei-me. Recebi uma proposta de trabalho que, depois de muito pensar e de dias sem dormir, acabei por recusar. Outra oportunidade que me agrada mais entretanto apareceu.
 
Já fui a algumas entrevistas de trabalho. Desde que saí do ensino, já lá vão 8 anos, que me tenho aperfeiçoado nesta arte de ser entrevistada. Saio sempre da sala da entrevista com a sensação que não correu bem, com uma enorme insatisfação porque penso que não consegui demonstrar com eficácia o que sou capaz de fazer. O mais incrível é que, até agora, de todas as vezes que fui a uma entrevista acabei por ser seleccionada para o trabalho ou fui reencaminhada para uma posição semelhante dentro da mesma organização porque gostaram de mim. De todas as vezes deu frutos, que eu apanhei se quis. Talvez esta sensação de insatisfação seja dispensável, no fim de contas. Será que a minha capacidade de auto-crítica se baseia demasiado na desvalorização do meu trabalho e da minha capacidade de comunicação? Estará o "síndrome de patinho feio" dos tempos de adolescente ainda demasiado entranhado no meu pensamento ao ponto de afectar o julgamento que faço de mim própria?
 
Está na altura de reflectir seriamente sobre estas questões existenciais... não fosse o doutoramento que tenho que acabar e o trabalho de consultoria que tenho que cumprir e punha-me já a tratar disso. Assim, fica para uma outra vez... ou para uma próxima entrevista.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

You got mail, from aussie land!

Hoje recebi uma coisa especial. Uma carta, da Austrália. E é especial porque hoje em dia receber cartas é algo raro e porque há vários anos que não recebia correspondência postal daquele lado do mundo. Esta carta é especial ainda por outra razão: porque me trouxe fotos do novo elemento da família, daquela família de coração que lá conheci e lá deixei, já lá vão mais de 7 anos. Chama-se Keya e é uma princesinha indiana nascida em território australiano no passado mês de Maio.


Esta carta trouxe-me também outras coisas: recordações, daquelas boas, a sensação de pertença que aquece o coração, e algumas saudades. Sem nostalgia, apenas a consciência que o tempo passa, a pessoa cresce e a vida evolui. Lembro-me perfeitamente do dia em conheci a mãe de Keya, a Noella. Era sábado, eu tinha pisado solo australiano pela primeira vez uma semana antes e naquele dia tinha decidido participar na visita ao Zoo de Nowra, a sul de Wollongong, organizado pelo comité de boas-vindas aos estudantes internacionais. Durante a viagem de autocarro, entreti-me a conversar com o rapaz colombiano que se sentou ao meu lado, com os discursos introdutórios da praxe: “de onde vens”, “o que vens estudar”, “o que fazias antes”. – Era professora, disse eu. E uma voz melodiosa apareceu vinda do lugar atrás de nós, dizendo “That’s awesome, I want to be a teacher!” Era a Noella, que silenciosamente participava na nossa conversa e não conseguiu conter o entusiasmo quando descobriu que eu era professora. Na altura não lhe falei no meu desencanto com o ensino que me levou a partir para aquele lado do mundo… é engraçado como a condição que inicialmente nos uniu – ser professor – deixou praticamente de existir, sem destruir a relação que construímos desde então.

Foi amizade à primeira vista! Sim, porque também há amizades assim, que nascem de uma gota de água e se transformam em oceanos. A partir desse dia a Noella estava lá para mim e eu estava lá para ela. Ela foi minha amiga, minha irmã, a minha família enquanto eu lá estive. Partilhámos as alegrias e as dificuldades, trabalhámos na ONG juntas, arrendámos uma casa para nós junto à praia. Eu lamentei as minhas más escolhas de amor, ela revelou as dúvidas dela. Quando eu não tinha dinheiro para as compras, ela trazia-me o jantar do restaurante indiano onde trabalhava. Refilámos juntas com uma máquina automática de chocolates que engoliu a minha última moeda de 2 dólares (para aquela semana só tinha 5 dólares para gastar) e não nos deu o twix pelo qual salivávamos. Ficámos ambas viciadas no cappuccino do café Picasso. Ela aprendeu comigo a gostar do mar e a usar um biquíni (na Índia as pessoas vão ao mar vestidas), eu aprendi com ela a usar o lápis dos olhos (maquilhagem era coisa que até então não me interessava). Mentimos juntas aos pais dela para ela poder ir à Europa com o então namorado italiano. Vimos o nascer-do-sol sobre o mar no dia em que me vim embora, de regresso a Portugal, com a promessa mútua de nos voltarmos a ver passados 2 anos, na Índia.

E assim foi. Dois anos depois, no final de 2006, peguei na minha mochila e parti à descoberta da Índia. Fui recebida de braços abertos pela sua família, tão semelhante à minha em muitas coisas. O ser humano é sempre ser humano, em qualquer lugar do planeta. Depois de alguns dias sentia-me em casa. Em 2009, reencontrámo-nos. De novo na Índia, para o seu casamento. Desta vez ela parecia mais crescida, mais ocupada, mais séria, mais... distante. Quando nos encontrámos no aeroporto senti que o cordão que nos unia tinha ficado de repente mais fino… ou melhor, os anos de distância foram desgastando o nosso fio de ligação, porque apesar de tudo e de todas as coisas electrónicas que existem, há coisas do dia-a-dia que não partilhamos quando temos meio mundo entre nós. Mas apesar desta sensação de mudança não desejada, foi bom estar com ela. Voltámos a partilhar segredos, angústias, sonhos. Tomei consciência que a amizade também se ajusta e não deixa de ser bonita por isso, porque os oceanos também são esporadicamente percorridos por ondas. E voltámos a separar-nos. Até ao dia em que eu me decidir regressar à Austrália para conhecer pessoalmente a Keya.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Providências da vida quotidiana

Sabem o que acontece quando duas moças distraídas e carregadas de sacos de compras entram no parque de estacionamento do Colombo pelo lado errado?
- Apanham boleia de um senhor num carrinho branco que parece ter vindo de um campo de golf, são transportadas confortavelmente sentadas até à porta do seu carro e saudadas com um gentil "Tenham um bom dia!"

Sabem o que acontece quando, apesar da procura constante de emprego mas influenciada pelas más notícias económicas impregnadas no ar, uma pessoa não espera receber por algum tempo respostas positivas para um emprego?
- Recebe dois convites para uma entrevista na mesma semana.

Há dias em que a vida toma as devidas providências para nos ajudar...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Professores, para que vos quero

A polémica em redor dos professores parece não ter fim. Às vezes o ritmo das críticas e das mudanças abranda, para depois voltar a acelerar em busca de um ensino de excelência que nunca é alcançado. E depois vêm mais mudanças, críticas, comentários, apreciações negativas. E a polémica cresce, mais uma vez.
No fundo, julgo que todos concordam com a necessidade de alterações estruturais e exigentes que aumentem a eficácia do ensino, dotando as crianças e jovens de capacidades e conhecimentos que lhes permitam encarar um futuro profissional e pessoal de sucesso. Esta é a missão de um sistema educativo, uma missão nobre e crucial para o desenvolvimento de qualquer país, a todos os níveis. A educação é a solução para muitos problemas.
O caminho para cumprir esta missão toma, no entanto, direcções diversas. Há quem defenda cortes e racionalização de recursos num grupo profissional supostamente com abundância de regalias e excesso de mão-de-obra. Das opiniões que ouço e leio, são muitos os que defendem esta opção. Suponho que a grande maioria destes não tenha no seu círculo social mais próximo um professor, porque os que têm pensam normalmente diferente. E pensam assim porque sabem da instabilidade profissional, das (cada vez maiores) exigências da profissão, incluindo ao nível psicológico e emocional, e do verdadeiro valor que é dado ao seu trabalho através de salários que, ao contrário do que se pensa, não são chorudos.

Mas vamos a factos. Começando pelo dinheiro, uma medida que toda a gente percebe, um professor contratado com horário completo tem um salário bruto entre 809.33 (índice 89) e 1373.13 Euros (índice 151), dependendo se tem uma licenciatura e se é profissionalizado (com estágio). Ser professor contratado significa que este profissional tem emprego apenas por um ano - ou menos - e que, todos os anos, tem que concorrer sem saber à partida se terá trabalho nos concelhos que preferiria, mais perto da sua residência (a principal motivação). Ou sequer se terá trabalho. Durante anos, pelo menos 10 anos nos dias de hoje (depende também das disciplinas que lecciona), um professor contratado não sabe o que é ter a certeza de um trabalho numa terra escolhida por si e a possibilidade de planear uns anos à frente. Para além disso, mesmo que fique colocado, pode não ser logo no início do ano lectivo ou pode ter horário incompleto, com as devidas repercussões no seu salário mensal. O horário de componente lectiva de um professor é de 22 horas, o que significa que o professor tem que estar na escola estas horas a cumprir as suas funções, enquanto que as restantes tarefas – que completam as horas semanais exigidas, ele pode fazer onde quiser. E são muitas estas tarefas, desde preparar as aulas, fazer e corrigir testes, organizar viagens de estudo, ter reuniões com os outros professores, participar em acções de formação exigidas para prosseguimento na carreira. Imaginem quantas horas passa um professor a corrigir testes de 6 turmas de 25 alunos = 150 testes (que não são de escolha múltipla).
Para os professores não contratados, ou seja, que já tenham algum tipo de vínculo à função, podem ganhar salários brutos entre 1500 e 3076.29 Euros, entre o índice 167 (escalão 1) e o índice 370 (escalão 10). A subida de escalão, quando não está congelada, exige vários anos de serviço e boas avaliações, e nalguns casos a disponibilidade de vagas. Por exemplo, para um professor passar do 1º ao 4º escalão, de um salário bruto de 1500 para 1916.02 Euros, tem que trabalhar 16 anos. Sem contar com os anos que esteve a contrato, porque ao contrário de qualquer outra profissão de carácter dependente, não há limite máximo para o número de anos a contrato nem obrigatoriedade de efectivar depois de 3 contratos.

Olhando para os números e tendo em conta a média de salários em Portugal, nem parece assim tão mal. E não seria, não fossem todas as outras tropelias às condições de trabalho. Falo, por exemplo, do facto do professor ser obrigado a aceitar o horário nos dois dias a seguir à publicação da sua colocação, mesmo que tenha que atravessar meio Oceano Atlântico. Falo do facto de, caso não aceite, não poder concorrer nos dois anos seguintes, independentemente de ser um horário mínimo (pode ser até 6 horas) e extremamente longe da sua residência. E por esta razão temos professores com horários de 10 horas semanais a deslocarem-se centenas de quilómetros da sua casa e, literalmente, a pagar para trabalhar. Sem receber subsídio de deslocação ou ajudas de custo para a (segunda) casa que terão que arrendar, como acontece noutras actividades da função pública onde a mobilidade é recompensada. Falo do desgaste psicológico próprio de uma profissão ligada à educação e à frustração de ter que deixar os seus próprios filhos com alguém enquanto se desloca para ensinar os filhos dos outros, sob pena de perder tempo de serviço que poderá não servir para nada quando decidirem mudar as regras do jogo já quando os jogadores estão em campo.

Tudo aquilo que aqui escrevi é realidade para muitos professores, para os educadores das nossas crianças e jovens. É óbvio que também nesta profissão, como em todas as outras, há bons e maus profissionais, há professores responsáveis e outros oportunistas. Todos nós tivemos o nosso professor besta e o professor bestial, os nossos filhos também terão as suas boas e más experiências. É certo que alguns conseguiram subir na carreira à custa de falhas do sistema ou tirando vantagem das características da profissão, e foram gozando a autonomia de horário para se acomodarem a um trabalho seguro ao qual dão pouco. Há professores a ganhar muito que fazem pouco, como há políticos, arquitectos, médicos, bancários, contabilistas, cabeleiros, electricistas, secretários. Mas não arranjemos justificação no mau exemplo de alguns para culpar todo um grupo profissional, apesar da tendência maledicente que nos vem nos genes. Apesar do descrédito associado à actual classe política, eu acredito que alguns são extremamente competentes e que dão muito ao país. Em relação aos professores, eu sei que há muitos que valem o seu peso em ouro e que, apesar de todas as contrariedades, continuam a cumprir escrupulosamente a sua missão.
  
É por eles, pelos professores que se esforçam e que querem trabalhar com dignidade, que escrevo este texto. Porque me sobe à garganta uma onda de revolta quando ouço alguém comentar que os professores são uma cambada de preguiçosos que merecem tudo aquilo que lhes estão agora a fazer. Quem diz isto não sabe o que é ser professor, hoje.

Fonte dos dados salariais:  http://www.spgl.pt/cache/bin/XPQ3jTwXX11903eV28FetSMaZKU.pdf

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Ritorno (regresso)

Como posso descrever o regresso a um local que me deu tanto? Como expressar o que senti quando revi pessoas que foram a minha família durante 3 anos depois de meses de separação? Talvez com a mesma naturalidade com que me orientei na vila como se lá tivesse crescido, ou com o à-vontade do abraço partilhado e a fluidez da conversa, contando o que nos tem feito vibrar nos últimos tempos. Foi assim a minha última semana, entre passeios à beira-lago a comer um gelatto delicioso e pizzas a ver jogos de futebol do Europeu. E foi bom, tão bom! Voltar a um sítio que se conhece bem, às cores e aos sabores que o caracterizam e, ao mesmo tempo, sentir que o tempo não parou ali. Um local, como as pessoas, segue em frente mesmo sem nós.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

De Santiago a Finisterra


90 km. 3 dias a pé. Numa pequena pereginação pessoal em busca da liberdade mental e de coração que tem teimado em escapar-me. Muitos quilómetros nas pernas, às vezes demasiados. Outras nem tanto. Dependia da hora do dia e do descanso anterior. Mas também da disposição com que se enfrentava o caminho, as subidas e descidas íngremes, o solo rijo, as mudanças bruscas do tempo, tal qual um menino caprichoso a ditar as suas vontades. Primeiro chuva, depois sol, logo a seguir um calor árduo. Chuva outra vez. No mesmo dia. Quando os abrigos se distanciavam por largos quilómetros. Valeu-me a roupa impermeável que carreguei às costas e a habilidade de a vestir e despir em poucos minutos, antes que a vontade esmorecesse. Era para continuar, sempre em frente. Independentemente das bolhas nos pés, do cansaço nos músculos, da dor nos ombros, do peso da mochila. Como se faz na vida.


Foram dias de encontro. E de reencontro. Encontro de outros peregrinos que nos cumprimentavam com um doce "Ola, bon camino"; encontro de pessoas diferentes de longe e de mais perto, dispostas a carregar a sua vida às costas durante centenas de quilómetros sem se lamentar. Quando é uma escolha, ponderada ou apaixonada, as lamentações não têm lugar, apenas a constatação das dificuldades que se atravessam e do desejo de as conseguirmos ultrapassar. O reencontro de uma grande amiga, família de coração, depois de meses de separação que só pareciam sê-lo pela quantidade de novidades que tinhamos para partilhar. Em intensidade de sentimento e à-vontade de comunicação era como se estivéssemos estado juntas todos os dias. Reencontro com as coisas básicas do corpo e da mente, aquelas que nos permitem continuar o caminho: comida, descanso, abrigo. Depois de uma caminhada de 30 km, um duche de água quente volta a ser a maior invenção de todos os tempos e o beliche minúsculo do albergue transforma-se num leito matrimonial com colchão de penas.


O esforço físico e o regresso às coisas básicas é uma forma de libertação. Do stress do trabalho, das chatices familiares, das dúvidas pessoais. Esforçando o corpo, a mente é obrigada a focar-se apenas naquilo que lhe permite vencer mais esta etapa e libertar-se de todas as outras coisas que impedem a realização eficiente desta tarefa. A energia tem que ser bem canalizada, não chega para tudo. A nossa visão concentra-se no que está além e deixa de se ocupar com o que ficou atrás. Isso não interessa agora para o caminho, que se faz andando. Sem dar conta, aqueles pensamentos mais pessimistas, aquela perspectiva menos abonatória, aquele problema tacanho que me incomoda para além da sua importância e aquela pessoa que me fez mal e que não quero voltar a ver ou a pensar dissipam-se no ar. Levados por todas aquelas coisas simples que me permitem ultrapassar o desafio do momento, do andar com um objectivo, a passo persistente e equilibrado, sem perder o contacto com aquilo que realmente importa, para o Caminho e para mim. Rumo ao pôr-do-sol no cabo Finisterra, onde o mar começa e a terra acaba, e a uma vida agora celebrada com uma Compostela (diploma de chegada).

 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Notícia do dia de ontem

Um licenciado em Cinema e Audiovisual recebeu uma proposta para um trabalho como Operador de Câmara. Como seria um trabalho muito gratificante para ele, tanto a nível pessoal como profissional, foi-lhe oferecido o pagamento não em dinheiro mas em produtos capilares.
O meu pensamento: só podem estar a brincar! Quem acha que isto é uma proposta de trabalho deve ter os neurónios todos de férias. Ou então gosta de ter escravos em redor. Ou acha que as pessoas que quer contratar – não ele – vivem só do ar. Ou então tem muitos produtos contra a seborreia em casa porque a sua mulher é cabeleireira e assim dava vazão aos caixotes de produtos que tem na arrecadação sem gastar mais nenhum tostão.
Nenhuma destas razões é válida para uma proposta de trabalho como esta. E não me venham dizer que a situação está má e que tem que ser assim para o país ir para a frente, que temos que nos sujeitar às condições (quais condições?) que nos oferecem. Assim o país não vai para a frente, não é preciso ter um curso em economia para o saber. O nosso tempo, o nosso conhecimento, a nossa experiência são elementos preciosos que têm que ser valorizados. Têm que ser pagos por um preço justo que compense o tempo que passamos longe da nossa família e a fazer o melhor que podemos o que outros nos pedem.
O licenciado anda agora nas ruas a sensibilizar para a falta de escrúpulos daqueles que se querem aproveitar do contexto de crise para se desviar do caminho da integridade de direitos profissionais. Eu estou com ele.

sábado, 21 de abril de 2012

Sexta-feira, 20 de Abril de 2012

Estou no avião de regresso a Lisboa. Lá fora o sol espraia os seus raios cor de fogo por cima do manto de nuvens, flocos brancos amontoados sobre o Mar Mediterrâneo que o avião sobrevoa como uma águia vigilante. Hoje tenho direito a um pôr-do-sol prolongado, graças à hora de diferença entre a origem e o destino. Entretanto acabei de ler o livro francês que tinha trazido, este meu projecto concretizou-se graças à capacidade narrativa de Katherine Pancol e ao despertar daqueles meus neurónios que guardavam a sete-chaves o vocabulário de francês. Adoro quando um livro me faz desejar que o tempo não passe para poder continuar a ler! É preciso ter talento para cativar e esta história fascinou-me. Mais do que isso, a força e veracidade das personagens inspiraram-me a olhar melhor para as pessoas que tenho em redor, e principalmente para mim mesma.

Não quero estragar a surpresa de quem quer ler o livro, mas posso dizer que a história fala de pessoas que podiam ser reais, de França e Inglaterra, e de crocodilos de olhos amarelos. Fala de dinheiro, de relações decadentes, de fragilidades humanas, das futilidades de um estatuto social elevado, de mudanças difíceis. Mas também fala de coragem, de sonhos, de esperança, da força que vem do amor, do valor do trabalho árduo. Fala dos escolhos e das recompensas que a vida nos dá em qualquer fase da vida e da possibilidade que temos em dançar com ela, com a vida, em vez de a tentarmos impedir de seguir o seu ritmo. Recomendo.

15 Abril 2012 - De Lisboa a Nancy

4h15 da manhã. Espero pelo táxi à porta de casa, pouco protegida do frio da madrugada. O vizinho do primeiro andar aparece à entrada, fresco que nem uma alface, e pergunta-me se preciso de alguma coisa. “Estou à espera do táxi, vou para o aeroporto.” Se quiser pode vir comigo, estou a pegar agora ao trabalho”. Assim se explica o táxi estacionado na praça em frente à casa. Entretanto o meu táxi chega e recuso gentilmente a oferta do meu vizinho, “para a próxima já sei onde bater, obrigada!”
O aeroporto está vazio a esta hora, falta o frenesim e a energia vibrante de pessoas em movimento, vindas de todo o lado e partindo para tantas direcções. As lojas estão fechadas e decido matar o tempo de espera pegando no livro que trouxe de casa. Um livro francês, recomendado por uma amiga e com um título estranho que, apesar disso, me encantou: “Les yeux jaunes des crocodiles” (Os olhos amarelos dos crocodilos). Comprei-o em francês, na esperança que me servisse para recuperar o vocabulário perdido por uma década sem falar a língua, ainda quando andava no curso de francês em Ispra. Ou seja, o livro tem estado na prateleira há 6 meses e sobreviveu a uma viagem de camião pela Europa fora e à mudança para Lisboa. Agora que vou para França uma semana, faz todo o sentido levá-lo; ainda por cima tem uma capa toda colorida e animada, pode ser que me motive para treinar o francês e fazer boa figura nas boulangeries francesas. Só para esclarecer, o título fala de crocodilos mas a história desenrola-se maioritariamente em Paris onde, obviamente, os crocodilos não abundam… por isso também quero descobrir de que tipo de crocodilos fala (depois vos direi).
A viagem de avião decorre sem problemas, apesar do mau tempo e do frio que sinto na barriga quando o capitão fala nos 5º de temperatura em Paris, céu cinzento e chuva miudinha. Raios, estamos em plena Primavera com tempo de Inverno! Atravessar o aeroporto Charles de Gaulle demora uma eternidade e tenho que apanhar o comboio para o centro, onde um TGV me espera. Que belo comboio! Limpo, confortável e pontual. Cheio de gente, o que para mim foi uma surpresa, não é um transporte barato, mas aparentemente eficiente e economicamente viável.

Chego a Nancy de mochila às costas e sigo o mapa para chegar a pé à AgroParisTech, uma escola tecnológica de agronomia com residência de estudantes onde nos vão instalar durante esta semana de curso. A cidade está vazia, ao domingo está quase tudo fechado e é semana de férias para os estudantes universitários. Na residência, outros estudantes de doutoramento que vieram para o mesmo curso esperam pacientemente pela chegada do comité organizativo. São da Áustria, da Estónia, da Suécia, da Finlândia, da Alemanha. O comité chega e levam-nos cada um para os seus aposentos, um quarto de 15 m2 com armário, secretária e um lavatório, de paredes verde-água e chão amarelado. A austeridade do quarto acaba por me impressionar e relembra-me o sacrifício a que os estudantes se submetem. Também eu vivi num quarto, partilhado, nas casas velhas de Coimbra. Na altura nem pus em questão a falta de espaço, de outras divisões onde me mover, de cozinha própria, de liberdade de movimentos. Estava fisicamente limitada e não me importava nada. Agora importo e entrego-me minimamente ao apego às coisas materiais que fui adquirindo ao longo dos últimos anos, coisas pequenas como a chávena comprada em Salamanca, a colecção de copos da Nutella, o poster dos Alpes italianos que colo na parede da sala…
Nancy pertence à região de Lorena, disputada pelos alemães durante séculos. A praça principal, Stanislau, debruada de portões pretos e dourados, é património mundial. Pelo centro da cidade, pequena mas simpática, despontam edifícios majestosos e igrejas de estilo gótico que lhe dão um ar imperial. É tudo perto, à distância de 15-20 minutos a pé e vagueamos à noitinha pelos bares da cidade, como se espera de um grupo de estudantes de toda a Europa ávidos de novidade e do sabor das cervejas belgas ou alemãs. Neste grupo percebi realmente o significado de globalização; para a maioria dos meus colegas, a nacionalidade não revelava o sítio de onde vinha, por isso encontrei um indiano da Suécia, uma brasileira da Alemanha, uma búlgara de Itália, um austríaco da Suécia, uma portuguesa da Inglaterra. Adoro aquelas conversas de críticas ou elogios subtis aos países de onde vieram e àquele onde agora moram, o ser humano tem tendência para as comparações. Fala-se de comida, do tempo, do estado das estradas, da maneira de falar, do grau de simpatia, da capacidade de trabalho. Aprendo muito sobre as diferentes formas de ver o mundo, de o capturar e recriar através das lentes culturais com que todos somos dotados desde criança.


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Perfect timing

Ontem.
Pequeno-almoço desastroso, com uma "moka" de café entornada e a cozinha toda estornicada. Bolas, o dia começa mal. Menos mal que não houve queimaduras. Atraso de 50 minutos em relação ao planeado... vamos a ver se consigo chegar ao ISA antes do gabinete fechar para almoço. Na estação de metro, 30 segundos de espera e o metro chegou. Começa a melhorar. O autocarro na Praça da Figueira chega também em 2 minutos. Boa! No mesmo autocarro entra um colega que conheci numa conferência em Itália e pomos a conversa em dia. Vamos para o mesmo sítio e a conversa faz o tempo passar num instantinho.

Chego ao ISA e o gabinete estava aberto, em 10 minutos trato de tudo o que preciso e saio para apanhar o autocarro de regresso à Baixa, que chega em 1 minuto. Foi tudo tão rápido que a viagem de vinda ainda era válida (dura 70 minutos) e com isso poupo 1,60 Euros.
Acabadinha de me sentar recebo uma chamada, o meu irmão estava mesmo a chegar à Baixa. Fixe, vamos almoçar! E depois provar um gelado italiano do Santini (delicioso!). Por esta altura claro que já me tinha esquecido do café entornado.

Depois, loja do cidadão nos Restauradores para pedir o Cartão Europeu de Saúde. São 13h39 e tenho quase 200 pessoas à minha frente... hum, voltarei mais tarde, ou então amanhã. A conferência na Sociedade de Geografia a que assisti a seguir dura 2 horas para mim e saio para ir à Gulbenkian, a outra conferência que me interessa. Passo pela loja do cidadão só para espreitar o número de senha... são 16h45 e faltam só 3 números para a minha vez. Boa!
Trato do cartão e sigo para a Gulbenkian, mesmo a tempo de me indignar com a comitiva governamental que segue na estrada com escolta policial, obrigando todos os outros carros de pessoas normais a encostar e deixá-los passar. Vão para o mesmo sítio que eu, mas eu vou de metro e a pé e eles de BMW, Mercedes ou Audi pretos e rodeados de capangas de óculos escuros. Não sou a única a indignar-me, um senhor que caminha quase ao meu lado balbucia injúrias a quem segue na comitiva, enquanto ele se dirige também a pé à Gulbenkian. Não interessa, no fim de contas eu tenho o universo a ajudar-me com o perfect timing das minhas actividades, não preciso de capangas, de Mercedes nem de pirilampos giratórios barulhentos.
  

E regresso a casa com aquela boa sensação de dever cumprido adocicado com as boas surpresas do dia.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Champalimaud


Toda a gente já ouviu falar do milionário que deixou parte da sua fortuna para a criação de uma fundação de investigação em ciências biomédicas e para a pesquisa do cancro.  Hoje visitei o novo espaço da Fundação Champalimaud em Belém, com vista sobre o mar, inaugurado há menos de 1 ano. Aproveitei o convite de uma colega dos tempos de Ispra que trabalha lá agora e espreitei os laboratórios open-space onde investigadores de todo o mundo estudam células animais, o cérebro e o comportamento humano. O edifício cheira a novo e impressiona pelo espaço disponível, pela vista soberba, pelas condições materiais com toques de requinte. Para um futuro próximo está planeado o hospital de cuidados paliativos mesmo ao lado. E o Darwin Café é uma atracção aberta ao público em geral, onde a ciência encontra repouso. Recomendo.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Lisboa...

É bom voltar às coisas boas de Lisboa. Eu sei que também há coisas más mas hoje foquei-me nas coisas boas, o dia foi propício ao optimismo. Gosto das ruas cheias de gente, da diversidade de pessoas, do frenesim da cidade. Dos artistas de rua e dos vendedores ambulantes no Rossio. De entrar em 4 livrarias diferentes e encontrar em todas elas um livro novo. Da possibilidade de deixar o carro em casa e conseguir chegar ao sitio que quero de metro ou autocarro. Da Rua Augusta e do Chiado. Gosto da maravilhosa luz de Lisboa e de como os raios de sol espelham o rio Tejo.

Hoje também gostei da conversa casual com uma senhora que estava sentada à minha frente no autocarro. De improviso, esta senhora de 80 anos, com netos da minha idade, pergunta-me qualquer coisa. Uma senhora linda com rugas da idade a imprimirem serenidade. Conta-me da neta e dos dois bisnetos, da asbestose do marido que o fez reformar há 20 anos e da teimosia dele que quase a leva à loucura. "Não sei porque gosta tanto de me contrariar, não dá valor ao que eu faço por ele", diz ela. Nota-se uma certa mágoa na sua voz e no desviar do seu olhar. Respondo que não, pelo contrário, não creio que seja verdade, ele aprecia tanto o que ela faz mas não o consegue expressar, fruto da educação do seu tempo. "Nunca deixou que eu tirasse a carta, era machista...", e agora a senhora anda de autocarro ou de táxi porque o marido já não pode conduzir. "Eu também sou muito nervosa, acho que não conseguia guiar" e justifica-se com a história do pai que batia na mãe com ela a assistir, com apenas 3 anos de idade. "Fala-se hoje em violência doméstica mas não tem nada a ver com aquilo que a minha mãe passou, lembro-me de tudo".

20 minutos no autocarro e descubro uma vida. Cheia de histórias, de momentos de coragem e de aflição, de alegrias e experiências marcantes que se tornaram lições de vida. É bom estar em Lisboa.

terça-feira, 6 de março de 2012

O regresso

Estou em Portugal há pouco mais de duas semanas. Em meados de Fevereiro, peguei em 3 anos de vida, arrumei-os em caixotes e mudei de casa e de país. A viagem de regresso foi tranquila, com passagens breves e animadas por Nice, Toulouse e Burgos, até então locais desconhecidos. Em boa companhia. Vir de carro foi bom, o tempo que demorámos a percorrer 2200 km ajudou-me a desligar-me da vida anterior e a meter na cabeça que há novos desafios a exigir a minha atenção. Talvez por isso estas duas semanas me tenham parecido dois meses e sinto a vida em Itália já tão distante. É certo que o regresso a casa dos pais, as conversas em família à lareira, as brincadeiras com a Mikas (que também fez parte da vida em Itália) ajudaram a esta rápida integração num tipo de vida a que já não estava acostumada. Mas também as filas de espera nos serviços públicos e a burocracia obrigatória que tive que tratar me preencheram o tempo. Demasiado. Tanto que quando hoje me pediram mais um documento eu reagi com uma cara de desesperada... não gosto da burocracia, de ter que voltar aos mesmos sítios, esperar pacientemente e depois explicar mais três vezes a minha situação enquanto reparo na cara de desinteresse dos funcionários. Emigrar não é fácil, mas regressar a Portugal também não. Os documentos emitidos pela Comissão Europeia que dizem exactamente o que é necessário não servem para nada. É preciso dar trabalho às entidades portuguesas. Às vezes nem sinto que fazemos parte de uma organização maior.

Apesar disto, este regresso está a ser menos doloroso do que os outros (já lá vão 3). Custam-me as saudades dos meus amigos de Ispra, da família que lá criei. Mas não me custa tanto deixar o sítio nem o trabalho, que tem continuidade. Parece que há medida que envelheço absorvo melhor os efeitos destas mudanças de vida. Fico pronta mais rápido para os projectos novos que hei-de criar. Será que é um bocadinho da sabedoria de vida que se está a formar em mim?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Ski di fondo ou Ski di montagna?" Sim, existem 2 tipos de esqui...


Antes de vir para Itália, o esqui era um desporto desconhecido para mim. De onde venho não há neve e as brincadeiras que envolvem flocos brancos passaram-me ao lado na infância. Na vizinha Espanha, os resorts de esqui multiplicam-se, mas chegar lá obriga a despesas acrescidas de viagem e alojamento para as quais nunca reservei fundos.
A minha primeira experiência com o esqui foi, por ironia do destino, no continente mais seco do planeta: nas Snowy Mountains na Austrália, onde eu, já com 25 anos, me diverti a descer a pista das crianças a tarde inteira. Passaram-se 6 anos até voltar a pôr uns esquis nos pés, já em Itália, onde em menos de duas horas podemos chegar a uma pista de esqui diferente todos os fins-de-semana. São uma das maravilhas dos Alpes. Eu experimento e desço pistas com vista sobre o Monte Branco, mas é certo que não tenho talento natural para este desporto. Definitivamente o esqui não está escrito nos meus genes, ao contrário das crianças de 5 anos que deslizam a toda a velocidade e parece que me fazem caretas de gozo (sim, apetece bater-lhes!)
  
Uma das coisas que eu não sabia era da existência de outro tipo de esqui, mais popular no norte da Europa e muito diferente em técnica, equipamento e recursos necessários. O esqui de montanha (downhill) faz-nos deslizar as encostas com os pés presos a uns esquis pesados e regressar ao topo com as cadeiras rolantes ou os saca-rabos. No esqui de vale (cross-country) atravessamos terrenos nevados, incluindo algumas subidas e descidas para as quais não há cadeirinhas, com uns esquis mais estreitos e leves, apenas com a ponta do pé presa ao esqui e imitando os movimentos de caminhada.

Este fim-de-semana experimentei o cross-country. Depois de duas horas a caminhar/deslizar na neve seguindo os trilhos, umas quedas nas descidas e de atravessar a neve funda, estava exausta. É trabalho reforçado neste tipo de esqui, todo o teu corpo tem que se mexer para poderes avançar, não basta lançares-te do cume da montanha e dobrares os joelhos como no downhill (estou a simplificar, claro). No fim de contas, acho que gosto mais do cross-country; o equipamento é mais leve e mais económico, não há descidas assustadoras, não tenho tanto frio porque se está sempre em movimento e não é preciso vestir-se como o homem Michelin.
Para melhorar este cenário, só mesmo uma visita às piscinas termais perto da pista de cross-country, onde podemos meter o corpo a 35º e a cabeça de fora a 0º a apanhar com os flocos de neve, óptimo para refrescar as ideias e ao mesmo tempo relaxar os músculos.  Coisas boas que só  com frio e neve podemos apreciar.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pizzo Faiè

Domingo de manhã. Indecisa entre render-me à preguiça do fim-de-semana e a aventura de um passeio todo-o-terreno em Valgrande. O meu corpo, com os restícios da constipação e o cansaço da semana de regresso ao trabalho, dizia-me para ficar em casa e aproveitar o abençoado repouso. A minha mente dizia-me para sair de casa, aproveitar o sol e a montanha e treinar os músculos enfraquecidos pelas férias. Venceu a mente.

O trilho, bordejado de faias e coberto de folhas secas e estaladiças, era fácil e a paisagem lindíssima. Do Pizzo (cume) viam-se os vários lagos das redondezas (Maggiore, Varese, Monate, Orta), as cidades de Laveno, Varese, Domodossola e as torres industriais de Milão, ao longe. A neve brilhava nos cumes mais altos e as folhas esvoaçavam com o vento, digno de uma cena de "American Beauty".




Gosto de montanhas. Da paisagem, dos recortes geológicos naturais, das cores, dos microclimas.  E gosto do espírito que envolve quem trepa uma montanha, da vontade universal de se deitar ao sol com poças de neve ao lado e dos momentos de partilha de chá quente do termo e de chocolate Toblerone. Coisas simples que me encheram o coração.